Reflexão: Liturgia do X Domingo do Tempo Comum, ano B – 06/06/2021

04 de Junho de 2021

"Reflexão: Liturgia do X Domingo do Tempo Comum, ano B – 06/06/2021"

A misericórdia de Deus não tem limites

A Liturgia deste Domingo, X do Tempo Comum, 1a Leitura (Gn 3,9-15), 2ª Leitura (2Cor 4,13-5,1), e o Evangelho (Mc 3,20-35), fala sobre o pecado, isto é, da condição que atinge todo ser humano; mas, também, fala da misericórdia divina, da presença de Jesus que veio salvar e resgatar todos os que foram atingidos pelo mal, que perderam a harmonia e a esperança de viver. A Conversão não é achar uma desculpa ou acusar alguém pelo mal cometido, mas é reconhecer os próprios limites e fraquezas. Muitas vezes, quem acusa está se defendendo, escondendo algo de errado em si mesmo.

O evangelho, também, traz questões nem sempre bem compreendidas nos dias atuais: o pecado contra o Espírito Santo e sobre quem é a família de Jesus. Mais do que pensar em parentesco de sangue, a família de Jesus são todos aqueles que fazem a vontade do Pai, como o próprio Jesus afirmou.

Busquemos aprofundar alguns desses temas.

O pecado é um Não dito a Deus

Quanto à condição humana, isto é, a origem e natureza do pecado ou do mal, no que consiste? Pecado ou mal consiste em submeter a razão humana à paixão, em desobedecer às leis divinas, em afastar-se do Bem supremo. Portanto, se a perfeição moral consiste em amar a Deus, em dirigir a vontade a Deus e em pôr todas as potências, os sentidos, por exemplo, em harmonia com aquela direção, o mal consiste em afastar-se da vontade de Deus. Por isso o mal é sempre mal moral e tem como origem a vontade livre do ser humano. O ser humano é o autor do mal moral. O mal moral nada mais é que um ato insuficiente da vontade, uma escolha corrupta: para não cair e, portanto, para bem usar o livre arbítrio, é indispensável a intervenção divina. Alcançar a Deus, isto é, conhecer e amar a verdade, é a única felicidade que pode satisfazer o espírito humano; toda satisfação nos bens terrenos, imperfeitos e caducos, está destinada a desiludir amargamente a aspiração inata da pessoa humana.

Santo Agostinho, em suas obras: O Livre Arbítrio e em A Cidade de Deus, chega à conclusão de que o problema não está nas coisas temporais, que em si são boas, uma vez que foram criadas por Deus, mas no mau uso dessas coisas pelo ser humano. O problema está na pessoa humana que, por um ato de liberdade, resolve inverter a ordem estabelecida por Deus, preferindo amar antes as coisas criadas, inclusive, a si próprio, do que ao Criador; a isso Agostinho chama de má vontade, soberba ou pecado. A identificação do mal como pecado (do latim pecus, que significa emperrar, travar) é oriundo do cristianismo. De fato, entre os gregos e outros povos antigos, o mal sempre foi pensado de maneira “passiva”, sobretudo, entre os povos politeístas, pois acreditavam que fazia parte de uma relação natural com os deuses.

A partir dos escritos paulinos, não temos mais os males humanos como decorrência da vingança dos deuses (como narram os mitos), mas os males do mundo (morais e físicos), como decorrentes do mal ou pecado humano. Mais explicitamente, contrapondo-se à sabedoria, a concupiscência causa males à natureza e, no ser humano, seus efeitos podem ser percebidos, inclusive, no seu próprio corpo (ex: algumas doenças, a morte...). O pecado é, então, o mal que se lança do interior do ser humano, não permitindo que o bem prevaleça, e somente é conhecido por ser refletido nas relações com as coisas.

Diferentemente do mal metafísico, que seria uma realidade externa ao homem, o mal moral parte das paixões humanas; elas são interiores e se concretizam no agente moral que é dotado de consciência, liberdade e vontade. Por ser interior, revela-se somente nas ações morais exteriores e reveste-se de coletividade, ou seja, todos partilham seus efeitos, portanto, capaz de determinar o justo e o injusto, o sensato e o insensato, indistintamente. O mal moral tem sua raiz na má vontade humana orientada pelo livre arbítrio que, movida pelos vícios e não pelas virtudes, não escolhendo corretamente, não proporciona o bem que poderia em potencialidade. Assim, também as más ações cometidas por ignorância, inadvertência e involuntariamente não deixam de ser males, pois têm sua origem no primeiro pecado. Esse, com efeito, como antecedente, provocou todos os outros consequentes, isto é, os males físicos. Santo Agostinho, identificando a origem do mal com a liberdade, solidifica seus argumentos, fundamentando na vontade humana (desordenada e depravada) o surgimento de uma realidade não existente, mas que passa a existir decorrente do mau uso da liberdade, não subsistindo por si própria (Cf. Montagna, Leomar Antonio. A Ética como Elemento de Harmonia Social em Santo Agostinho, p. 56-57).

Pecado pessoal e peca­do social

Em nossos dias, há também quem apresente a distinção entre pecado pessoal e peca­do social. Aquele, cometido pela pessoa individual, seria menos importante do que este, come­tido pela sociedade. A sociedade seria o grande sujeito do pecado, por sustentar estruturas injus­tas ou a violência institucionalizada. São João Paulo II, na Exortação Apostólica: "Reconciliação e Penitência", nº 16, observa o seguinte: "O pecado é sempre um ato da pessoa individualmente considerada. Esta pode ser condi­cionada por fatores externos como também por tendências da sua personalidade. Não digamos, porém, que o ser humano é tão condicionado que careça de livre arbítrio; resta sempre a cada indivíduo sadio a capacidade de opção em meio às pressões de cada dia. Por conseguinte não devemos atribuir os pecados às estruturas e aos sistemas, como se não fossem atos de pesso­as".

Como então há de se entender a expressão ‘pecado social’, comum em nossos dias?

- ‘Pecado Social’ pode ser o fato de que todo pecado individual tem repercussão sobre os outros, em virtude da misteriosa solidariedade que une os homens entre si. Esta é chamada "Comunhão dos Santos", graças à qual "uma alma que se eleva, eleva o mundo inteiro"; conse­quentemente, uma alma que se rebaixa pelo pecado, rebaixa consigo a Igreja e, de certa maneira, o mundo inteiro. Na verdade, nenhum pecado, por mais íntimo e secreto que seja, diz respeito apenas à pessoa que o comete.

- Por ‘Pecado Social’ pode-se entender também aquele que constitui, por seu próprio objeto, uma agressão direta ao próximo. Assim, todo pecado cometido contra o amor ao irmão ou contra a justiça.

- Por ‘Pecado Social’ pode-se entender também aquele que afeta as relações entre várias comunidades humanas; estas nem sempre vivem na base da justiça, do amor e da paz, mas frequentemente se hostilizam entre si. Em tais casos, é difícil saber quais as pessoas a quem toca a responsabilidade de tais males e, por conseguinte, o pecado. É certo, porém, que tais situações pecaminosas resultam do acúmulo de muitos pecados pessoais. Uma situação, uma estrutura ou uma instituição não é, de per si, sujeito de atos morais; só a pessoa o é. Por isto, no fundo de cada situação de pecado, encontram-se indivíduos pecadores; é o que nos leva a dizer que tais situações não podem ser chamadas ‘pecados sociais’ senão em sentido menos próprio; elas resultam de pecados individuais. Esta verdade também nos faz compreender que, para mu­dar as estruturas pecaminosas, não basta a força da lei; é preciso também apregoar a transforma­ção das pessoas responsáveis por tais instituições; sem isso, as mudanças podem tornar-se ineficientes ou mesmo contraproducentes; a conversão dos corações é indispensável para que se tornem mais justas as estruturas e situações.

A Blasfêmia (Pecado) contra o Espírito Santo

Etimologicamente, a palavra blasfêmia vem do grego BLÁPTO = lesão, injúria, e PHÉMEN = fama. E, de modo geral, significa uma injúria ou insulto lançado contra alguém. No caso, a blasfêmia contra o Espírito Santo consistia na atribuição dos exorcismos realizados por Jesus ao poder diabólico (Mt 12, 22-23).  Foi neste contexto que Jesus fez esta revelação: “Todo pecado e blasfêmia serão perdoados aos homens, mas a blasfêmia contra o Espírito Santo não será perdoada ... Nem neste mundo, nem no vindouro” (Mt 12, 31s; Lc 12,10 e Mc 3,28).

O Pecado contra o Espírito Santo é não reconhecer os sinais que Jesus nos oferece para nossa salvação. É fechar os olhos e o coração às obras notáveis do Espírito Santo. É negar e rejeitar a oferta suprema que Deus nos faz e se excluir, pessoal e livremente da salvação (Hb 6, 4-10; 10,26-31). É o ser humano que reivindica o seu pretenso “direito” de perseverar no pecado, fecha-se no pecado e se recusa a abrir-se às fontes divinas da purificação das consciências e da remissão do pecado. O inferno é o estado de autoexclusão definitiva da comunhão com Deus (CIC, 1033).

A ação do Espírito Santo como Mestre e Hóspede do coração encontra no blasfemo uma resistência interior. Em seu discurso ao Sinédrio de Jerusalém, o protomártir Estêvão, cheio do Espírito Santo, formula a grave acusação: “Homens de dura cerviz, incircuncisos de ouvido e coração, vós sempre resistis ao Espírito Santo!” (At 7,51). Esta atitude causa uma espécie de impermeabilidade da consciência, aquilo que a Sagrada Escritura também chama “dureza de coração” (cf. Sl 81, 13; Jr 7,24; Mc 3,5), e que em nossos dias se manifesta como perda ou eclipse do sentido do pecado.

O Papa nos diz: “O Pecado do século é a perda do sentido do pecado”. Mas essa perda do sentido do pecado é a perda de consciência e o Espírito é a consciência onde Deus se fez ouvir (GS, 16). A conscientização começa sempre pela descoberta do significado da existência de si mesmo e do mundo. A Pessoa conscientizada seria aquela capaz de interpretar sua própria existência na época e nas circunstâncias históricas em que vive. Daí a pessoa conscientizada ser sempre alguém comprometido com a história de sua época. Adquirir consciência de nossa culpa pelo mal alheio, nossa culpa pela infelicidade dos “outros”, será a origem de nossa conversão (Gn 4,8-10). “Não extingais o Espírito Santo” (1Ts 5,19).

0 pecado contra o Espírito Santo (cf. Mt 12,31; Mc 3,28-30; Lc 12,10) é a recusa explícita do perdão e da graça de Deus. O espírito Santo é o Mestre interior que nos atrai para o Pai; quem se fecha a Ele, coloca-se em situação irremediável, porque se recusa ao próprio remédio ou ao dom de Deus. Tal atitude também é chamada "pecado para a morte" (cf. 1 Jo 5,16).

Concluindo este momento peçamos a graça de Deus e a sua misericórdia, que o Espírito Santo nos dê a sua sabedoria para, após esse momento de reflexão, ficarmos mais instruídos e capazes para produzir os frutos que Deus espera de nós. Nosso mestre interior é o Espírito Santo.

O Bispo de Hipona e Doutor da Igreja, Santo Agostinho (354-430), ainda hoje nos poderia fazer este sermão: “Vede já, irmãos, este grande mistério: o som de nossas palavras fere o ouvido, o Mestre, porém, está dentro. Não penseis que alguém aprenda alguma coisa do homem. Podemos chamar a atenção com o ruído de nossa voz; mas se no nosso interior não estiver aquele que nos ensina, será vã nossa pregação. Irmãos, quereis dar-vos conta do que vos digo? Por acaso não escutais todos este sermão? Mas quantos sairão daqui sem instruir-se! Pelo que toca a mim, falei a todos; mas aqueles a quem não fala aquela Unção (1Jo 2,20.27), a quem o Espírito Santo não ensina interiormente, saem daqui sem instrução. O magistério externo consiste em certas ajudas e avisos. Mas quem instrui os corações tem sua cátedra no céu. Logo, é o Mestre interior quem ensina. Onde não estiver sua inspiração nem sua unção, inutilmente soarão no exterior as palavras” (Cf. Agostinho, Santo. Comentário da Primeira Epístola de São João. III, 13).

Nosso Mestre interior é o Espírito Santo.

Boa reflexão e que possamos produzir muitos frutos para o Reino de Deus.


Pe. Leomar Antonio Montagna

Presbítero da Arquidiocese de Maringá – PR