Reflexão sobre a Liturgia do XIX Domingo do Tempo Comum, Ano B – 08/08/2021

05 de Agosto de 2021

"Reflexão sobre a Liturgia do XIX Domingo do Tempo Comum, Ano B – 08/08/2021"

Comunhão com Deus e experiência de vida comunitária

Na Liturgia de Domingo, XIX do Tempo Comum, veremos que, na 1a Leitura (1Rs 19, 4-8), a Bíblia nos apresenta a missão do Profeta Elias, que não deixa de ser uma metodologia para a oração que, no silêncio, responde a partir da fé.

Partilho com vocês um texto que elaborei para a introdução de um Retiro Espiritual que conduzi recentemente a um grupo de sacerdotes.

Quem é o Profeta Elias?

Ele tem grande importância na tradição de Israel e também no Novo Testamento, em que, com Abraão, Moisés e Davi, é um dos quatro personagens mais lembrados da história hebraica. É apresentado assim: “O profeta Elias surgiu como o fogo, e sua palavra queimava como tocha...” (Eclo 48,1). É o profeta que diz pouquíssimas palavras e que queima como o fogo. Com a palavra de sua fé, faz descer do céu a chama que devorará o sacrifício preparado para o Senhor no Monte Carmelo e é arrebatado ao céu num carro de fogo.

É recordado com saudade e esperado com amor: “Foste arrebatado num turbilhão de fogo, num carro de cavalos e também de fogo, tu, de quem está escrito que estás reservado, nos tempos futuros, para acalmar a ira do senhor antes que se desencadeie, reconduzir o coração dos pais aos filhos e restabelecer as tribos de Jacó. Felizes os que te viram e os que adormeceram na tua amizade! Nós também, com certeza, viveremos” (Eclo 48, 9-11).

A história da vocação de Elias (1Rs 17) mostra logo quem ele é e quem é chamado a ser aos olhos de Deus: “...Parte daqui... Vai esconder-te...” (2-6).

Quem enfrentou e que causa defendeu?

Historicamente, Elias é originário de Tesbi (Transjordânia) e exerce seu ministério profético no reino do Norte, nos tempos do rei Acab, Acaz e Jorão, no século IX (entre 874 e 841 a. C.). Acab tinha se casado com Jezabel, filha do rei de Tiro, e tinha favorecido o culto idolátrico do Baal de Tiro. Elias se apresenta como o gigante da fé, a testemunha do Deus único. Demonstra, com a vida, que a Deus se deve confiança e obediência: vive na presença de Deus. “Juro pela vida do Senhor, Deus de Israel, a quem sirvo” (1Rs 17,1; 18,15).

Toda a obra de Elias faz compreender como a verdadeira tentação não é o ateísmo, mas a idolatria. Ele é livre, corajoso e indomável diante dos poderosos (Acab); defensor dos fracos (Nabot e a viúva de Sarepta), não tem medo do que pensa o povo; tem zelo e vive a solidão espiritual.

Quando os poderosos do tempo (Acab e Jezabel) saem à procura de Elias para matá-lo e eliminar a sua voz incômoda e inquietante, começa, então para Elias, o tempo mais decisivo da sua vida: a peregrinação na noite da fé para a teofania do Horeb, o Monte Santo (1Rs 19,1-18; tema central da liturgia de hoje).

Em sua missão, fica com medo, deseja a morte, desanima, vê-se sozinho, defende Nabot, foge etc. Como fez a experiência de Deus? Não no furacão, não no terremoto, não no fogo, mas sim na brisa suave. Levantou-se, alimentou-se para ter forças. Depois da crise, vê que havia uma multidão que também estava lutando ocultamente (1Reis 19, 3-14.18).

O caminho de Elias para o Horeb é uma metáfora da peregrinação da purificação do coração para a experiência de Deus. É a via purificativa, separada por sete etapas, como sete luzes de uma menorah, o candelabro sagrado de sete braços que é aceso progressivamente na noite do tempo e do coração, deixando-se atingir pela luz misteriosa e imprevisível do Eterno.

Etapas do caminho de purificação

1ª) O ponto de partida é a fraqueza de Elias, o que o faz sentir-se muito próximo da sua humanidade. Perseguido, Elias foge para o deserto, apavorado, cansado, deseja a morte: o seu sofrimento nasce da constatação daquela que lhe parece a derrota de Deus no coração do seu povo.

2ª) Elias vai procurar Deus não em um lugar qualquer, mas no deserto. No deserto, escuta a palavra: “Vou seduzi-la, levando-a para o deserto e falando-lhe ao coração” (Os 2,16). Esse é o lugar da memória do amor (primeiro amor entre Deus e Jerusalém): “Eu bem me lembro de ti, da paixão da tua juventude, do amor do teu noivado, quando me seguias pelo deserto” (Jr 2,2).

O deserto também é lugar de prova, no qual pode se expressar a liberdade do homem e se experimenta a fidelidade de Deus: “O Senhor teu Deus te conduziu através do deserto grande e terrível, cheio de serpentes venenosas e escorpiões, uma terra árida e sem água. Foi ele que fez brotar água da pedra duríssima e te alimentou no deserto com o maná, que teus pais não conheciam, a fim de te humilhar e provar, visando ao teu bem futuro” (Dt 8, 15-16).

3ª) No deserto, Elias aprende a gramática de Deus, que lhe fala em sinais simplicíssimos: um pão para alimentar as forças no caminho, uma moringa de água para matar a sede. São o pão e a água indicados pelo Anjo (Eucaristia e Batismo).

4ª) No deserto, Elias aceita o tempo de Deus, renunciando aos seus tempos: “Com a força desse alimento, andou quarenta* dias e quarenta noites, até chegar ao Horeb, o monte de Deus” (1Rs 19,8). *40 - os anos do êxodo, os dias do deserto de Jesus, o tempo que prepara a sua ascensão ao céu....

5ª) Chegando ao Monte Santo – lugar de revelação, do Sinai ao Tabor, ao Calvário – faz a experiência de Deus: não em sinais clamorosos, mas na intimidade com Deus, na escuta profunda, da qual a “gruta, caverna” é metáfora. A presença de Deus é, antes de tudo, uma passagem: “O Senhor passou” (1Rs 19,11). Experiência do Deus vivo.

6ª) O senhor não passa no vento, no terremoto, no fogo, símbolos de força e de violência. O Senhor está na “voz de um silêncio sutil”. O silêncio é escutado cobrindo-se o rosto em sinal de adoração e de humildade e respondendo à voz que chama, que envia. O silêncio de Deus nos purifica das muitas palavras, convida-nos à entrega perdidamente abandonada, faz superar o domínio da razão absoluta, para nos abrir à humildade da escuta, à modéstia da adoração.

7ª) A narração não termina aqui: o retorno para Deus é início de novos caminhos. Elias é novamente enviado pelo Senhor, que lhe garante um parte fiel do seu povo, testemunha da fidelidade das promessas divinas: “Reservei para mim sete mil homens que não dobraram os joelhos diante de Baal” (1Rs 19, 15.18). Antes, Elias se via só: “Senhor, mataram os teus profetas, demoliram teus altares, e eu fiquei só, e querem tirar-me a vida” (1Rs 19, 14 // Rm 11, 2-6).

Quando tivermos caminhado longamente nos caminhos do silêncio e tivermos escutado a voz do amado no seu silêncio insondável, ele nos dará os outros: a purificação do coração é a fonte da missão.

Questões:

Busco Deus a partir de perguntas verdadeiras ou quero somente me servir dele? Procuro-o no deserto ou no barulho das minhas pretensões, dos meus gostos e das minhas expectativas? Procuro-o nos sinais humildes que ele escolhe ou quero sinais vulgares, respostas tranquilas e seguras? Procuro-o segundo os seus tempos ou quero lhe impor os meus? Reconheço-o na passagem ou quero detê-lo, prendê-lo para mim? Reconheço a voz do silêncio ou procuro as linguagens da força e da aparência do mundo? Tocado por Deus, estou pronto para partir novamente para anunciá-lo a todos, onde ele quiser, como ele quiser?

A 2ª Leitura (Ef 4,30-5,2) diz que é possível construir, com a ajuda e a graça de Deus, um mundo melhor: Não contristeis o Espírito Santo... Toda a amargura, irritação, cólera, gritaria, injúrias, tudo isso deve desaparecer do meio de vós, como toda espécie de maldade”. A Palavra de Deus nos faz novas criaturas: “Sede bons uns para com os outros, sede compassivos; perdoai-vos mutuamente... Vivei no amor”.

No Evangelho (Jo 6, 41-51), vemos Jesus encarnado e rejeitado, justamente porque é humano: “Eles comentavam: Não é este Jesus, o filho de José? Não conhecemos seu pai e sua mãe? Como então pode dizer que desceu do céu?”. A questão que se coloca hoje: Como nos posicionamos diante dos limites e fraquezas dos líderes de nossas Comunidades? Como conciliamos nossas fraquezas com a vida espiritual?

Enfim, penso que esta Liturgia quer reforçar em nós que Jesus é o socorro de nossa humanidade e providencia o que mais necessitamos no caminho: ‘Pão da Vida’, aquele que comer deste pão terá a vida eterna. E a vida eterna não é a mesma coisa que vida pós-morte. Vida eterna significa vida reconciliada, em intimidade com Deus. Vida que já começa aqui, numa existência orientada para Deus, em profunda união e obediência com ele, e se prolonga após a morte. Na morte, não há ruptura, mas passagem; geralmente, a morte sela o que foram nossas opções em vida no uso pleno e lúcido da razão e da compreensão da fé.

Boa reflexão e que possamos produzir muitos frutos para o Reino de Deus.


Pe. Leomar Antonio Montagna

Presbítero da Arquidiocese de Maringá – PR