Liturgia do V Domingo da Páscoa, 19/05/19

15 de Maio de 2019

"Liturgia do V Domingo da Páscoa, 19/05/19"

A plenitude e as expressoes do amor caridade

Na Liturgia deste V Domingo da Páscoa, veremos, na 1a Leitura (At 14, 21b-27), o resultado da viagem missionária dos apóstolos, na qual fundaram e organizaram novas comunidades cristãs. Aqui podemos perceber três elementos importantes necessários para avaliar nossas comunidades quanto aos desafios e trabalhos pastorais que realizamos. Quais foram as orientações dos apóstolos?

1º) Anunciar a Palavra com coragem e permanecer firmes na fé;

2º) Superar conflitos, partilhar alegrias e conquistas. Os sofrimentos são indispensáveis para entrar no Reino, confirmam a autenticidade da mensagem e possibilitam sentir a presença de Deus na caminhada da comunidade.

3º) Organizar a comunidade, partilhar os serviços e não concentrar tudo em alguns. Os trabalhos na comunidade devem ser assumidos por todos; cada um deve fazer pelo menos um pouco dos trabalhos e não poucas pessoas fazendo tudo pelos outros. “Os apóstolos designaram presbíteros para cada comunidade”, é um trabalho para administrar, vigiar e defender a comunidade.

A 2ª Leitura (Ap 21, 1-5a) mostra quais seriam os resultados se a Palavra, isto é, se a ‘Boa Nova’ fosse acolhida pelas pessoas. “Deus enxugará toda lágrima de seus olhos. A morte não existirá mais, e não haverá mais luto, nem choro, nem dor, porque passou o que havia antes”.

O Evangelho (Jo 13, 31-33ª. 34-35) traz a seguinte questão: Diante de tantos desafios, injustiças e sofrimentos, é possível amar? A Igreja diz sim. Por quê? Porque Deus é fonte do amor verdadeiro, não é uma energia, sentimento ou ideia. Deus é uma pessoa, é o Espírito Santo.

A) Como o amor de Deus se manifesta?

1º) Na criação (perfeição, sinais) e pela caridade: a grande realização da caridade é a de tornar-nos semelhantes a Deus, já que ela nos faz capazes de amar os outros, não somente como a nós mesmos, mas do modo como Deus os ama. A caridade nos permite amá-los com o amor do próprio Deus; pois a caridade não é outra coisa senão Deus amando, por meio daqueles que acolheram o dom do seu Amor: “O Espírito Santo, que procede de Deus, quando é outorgado ao homem, inflama-o de amor por Deus e pelo próximo, sendo ele mesmo o Amor” (Santo Agostinho em: A Trindade XV, 17, 31). Para Santo Agostinho, a questão da semelhança do homem com Deus tem dois aspectos. O primeiro diz respeito ao momento da criação, quando Deus faz o homem à sua imagem e semelhança. Neste sentido, todo homem carrega dentro de si esta imagem divina. Um segundo momento é quando o homem, por sua livre vontade, deve esforçar-se para imitar o modo de amar de Deus. Neste último aspecto, tornam-se semelhantes a Deus os que O buscam e O amam verdadeiramente. Este segundo momento é, na verdade, uma restauração do primeiro, visto que, ao assemelhar-se a Deus pela caridade, o homem não está fazendo outra coisa senão restaurando em si a imagem divina deteriorada pelo egoísmo.

Ao tornar-nos semelhantes a Deus, a caridade nos faz também filhos seus: “A caridade é o único sinal que distingue os filhos de Deus dos filhos do demônio” (Santo Agostinho. Comentário da 1ª Epístola de São João V, 7). Assim como entre os homens é a semelhança física o que caracteriza alguém como filho de outrem; do mesmo modo, o sinal distintivo dos verdadeiros filhos de Deus é, exatamente, a vivência da caridade. Embora muitos aleguem ser filhos de Deus, somente os que amam com caridade, de fato, o são. Portanto, se quisermos ser realmente felizes, não devemos perder tempo com amores particulares, egoístas e passageiros; ao contrário, amemos, sem reservas, a todos: parentes, amigos, inimigos e, especialmente, os pobres deste mundo. Seremos felizes nesta vida e por toda eternidade, se todas as nossas ações forem movidas pelo amor, mas não por qualquer amor, e sim por aquele que chamamos de amor fraterno ou de perfeita caridade.

2º) Na encarnação e na cruz: mesmo se já na criação são claros os sinais do amor divino, a revelação total do mistério íntimo de Deus verificou-se com a Encarnação, quando o próprio Deus se fez homem. Em Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, conhecemos o amor em todo o seu alcance. A manifestação do amor divino é total e perfeita na Cruz, na qual, como afirma São Paulo, "é assim que Deus demonstra o seu amor para conosco: quando ainda éramos pecadores é que Cristo morreu por nós" (Rm 5, 8). Portanto, cada um de nós pode dizer, sem receio de errar: "Cristo amou-me e entregou-se a Si mesmo por mim" (cf. Ef 5, 2). Redimida pelo seu sangue, vida humana alguma é inútil ou de pouco valor, porque todos somos amados pessoalmente por Ele, com um amor apaixonado e fiel, um amor sem limites. A Cruz, loucura para o mundo, escândalo para muitos crentes, é, ao contrário, "sabedoria de Deus" para todos os que se deixam tocar profundamente no seu ser. Cristo é o Cordeiro de Deus que assume os pecados do mundo e desenraiza o ódio do coração do homem. Eis a sua verdadeira ‘revolução’: o amor.

3º) No amor ao próximo, a plenitude e as expressões do amor-caridade: no Antigo Testamento, Deus dissera: "Amarás o teu próximo como a ti mesmo" (Lv 19, 18), mas a novidade de Cristo consiste no fato de que amar como Ele nos amou significa amar a todos, sem distinções, também os inimigos, "até ao fim" (cf. Jo 13, 1).

A caridade é a perfeição do amor, pela qual o homem se entrega totalmente a Deus, mas Deus nada pede para si mesmo, já que não há nada que possamos oferecer que O favoreça. “Não penses que dás algo a Deus. Deus não precisa de servos, mas são os servos que precisam de Deus” (Santo Agostinho. Comentário da 1ª Epístola de São João, VIII, 14). Deus é Sumo Bem que de nenhum bem precisa e tudo o que Ele exige do homem é em vista de seu bem; ao contrário, tudo o que o homem oferece a Deus se reverte em benefício próprio, pois “Deus é aquele que quer ser amado não para obter para si alguma vantagem, mas para conceder aos que o amam uma recompensa eterna” (Santo Agostinho. A doutrina cristã I, 29,30). Quanto a nós, já nos amamos naturalmente, resta-nos, pois, que amemos nossos irmãos por amor a Deus, e nisso está a perfeição da caridade: “Todo homem deve ser amado por causa de Deus” (Ibid., I, 27,28). Portanto, o amor é perfeito quando chega ao nível da caridade fraterna:

Se alguém disser: ‘Amo a Deus’, mas odeia o seu irmão é mentiroso. Como provar que ele é mentiroso? Escuta: Pois quem não ama seu irmão a quem vê, a Deus que não vê, não poderá amar (1Jo 4, 20). Como assim? Quem ama a seu irmão, também ama a Deus? Sim, se ele ama a seu irmão, necessariamente também ama a Deus, que é o próprio amor.

Podemos concluir, com Santo Agostinho, que, para amar a Deus, não precisamos buscá-lo muito distante de nós: “Se Deus é Amor, porque caminhar e correr às alturas dos céus ou às profundezas da terra à procura daquele que está junto de nós, se quisermos estar junto dele” (A Trindade, VIII, 7,11).

Mesmo com todo esforço de ordenar sua vontade a fim de amar os outros com perfeita caridade, o homem, por suas próprias forças, não conseguirá, precisará pedir a ajuda da graça divina: “Rogai a Deus a graça de vos amar uns aos outros”. Esse jeito de amar, mais do que uma virtude, é o maior dom de Deus e, sem a caridade, nenhum outro dom de Deus nos leva até Ele. Este dom é o único e verdadeiramente necessário que o homem deve buscar antes de qualquer outra coisa. “A caridade é a própria essência de Deus”. Portanto, a caridade fraterna é o próprio Deus amando, em nós e por meio de nós, a todos os homens, ela é uma realidade tão interior quanto o próprio Deus. Cada um deve sempre examinar sua consciência e verificar se possui a caridade, uma vez que, exteriormente, as suas obras podem confundir-se com as do orgulho. Assim, se, para encontrar a Deus e contemplá-Lo, é necessário um processo de interiorização, para vivermos a perfeita caridade, precisamos, igualmente, acompanhar os movimentos do amor em nosso coração a fim de percebermos o que ele nos leva a amar.

Para Santo Agostinho, a caridade não pode enclausurar-se somente no nosso interior, pois é de sua natureza agir e expandir-se em ações de amor fraterno. Quem a possui ama interiormente a Deus com todas as suas forças, ao mesmo tempo em que, do mais profundo do seu coração, transborda um amor benevolente e gratuito em direção a todos os homens: “A caridade interior nunca se interrompe! As obras da caridade, porém, se exercem conforme as exigências do tempo” (Santo Agostinho. Comentário da 1ª Epístola de São João, VIII, 3). É nestas exigências do tempo que a caridade vai exteriorizar-se. Mas a questão que se coloca é em direção a quem e de que modo? Primeiramente, Agostinho nos responde dizendo que: “todos têm direito a nosso amor e caridade; isso é o mesmo que dizer que não existe ninguém que não tenha direito ao nosso amor”. Ele, de maneira especial, relaciona quatro tipos específicos de pessoas ou de próximos aos quais devemos expressar nosso amor-caridade: os parentes, os amigos, os pobres e os inimigos.

Quanto ao modo, além de nos indicar o segundo mandamento: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mt 22, 39), ele nos diz: “Eis a regra da dileção: querer também para o outro o bem que se quer para si. E não querer para ele o mal que não se quer para si mesmo. E isso serve para todos os homens” (Santo Agostinho. A verdadeira religião, 46, 87). Neste sentido, devemos buscar para os outros todo bem que procuramos para nós mesmos; isto quer dizer que nenhum bem adquirido deveria ser possuído individualmente, ou melhor, todos os bens deveriam ser socializados. Entendido desta forma, o simples cumprimento deste segundo mandamento já seria mais do que suficiente para tornar justa e igualitária qualquer sociedade humana. Dentro dessa compreensão de amar o próximo, de querermos para ele todo o bem que desejamos para nós, devemos também ajudá-lo a encontrar e possuir o seu Bem supremo; já que, só a experiência Dele lhe proporcionará a verdadeira felicidade, pela qual ele anseia, tanto quanto nós. Assim, estaremos cumprindo plenamente o preceito de amar o próximo como a nós mesmos.


B) Onde devemos manifestar o amor de Deus?

1º) No compromisso com a Igreja que é a nossa família espiritual. “Nisso é que todos conhecerão que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros" (Jo 13, 35).

2º) No compromisso com a família e nos diversos ministérios. Somos chamados a expressar o amor e a crescer nele, o verdadeiro amor não procura em primeiro lugar a própria satisfação nem o seu próprio bem-estar.

3º) No compromisso com a sociedade, a justiça, a cidadania e o bem comum. Devemos desenvolver nossas capacidades, não só para nos tornarmos mais ‘competitivos’ e ‘produtivos’, mas para sermos ‘testemunhas da caridade’. O horizonte do amor é verdadeiramente infinito: é o mundo inteiro!

Enfim, o amor é a única força capaz de mudar o coração do homem e a humanidade inteira, tornando proveitosas as relações entre homens e mulheres, entre ricos e pobres, entre culturas e civilizações. A cada um de nós é concedido alcançar este grau de amor, mas unicamente se recorrermos ao indispensável apoio da Graça divina. Só a ajuda do Senhor nos permite viver, de fato, livres e felizes. Quando a raiz das ações é a caridade, não poderá surgir o mal (“Quando esvaziares o coração do amor terreno, haurirás o amor divino. E nele logo começa a habitar a caridade da qual nenhum mal pode proceder”( Santo Agostinho. Comentário da 1ª Epístola de São João, II, 8), e sim somente o bem:

Não se distingam as ações humanas a não ser pela raiz da caridade. Uma vez por todas, foi-te dado somente um breve mandamento: Ama e faze o que quiseres. Se te calas, cala-te movido pelo amor; se falas em tom alto, fala por amor; se perdoas, perdoa por amor. Tem no fundo do coração a raiz do amor: dessa raiz não pode sair senão o bem! (Ibid., VII, 8).


Boa reflexão e que possamos produzir muitos frutos para o Reino de Deus.


Pe. Leomar Antonio Montagna

Arquidiocese de Maringá – PR