Inviolabilidade da vida: Jurista maringaense escreve reflexão sobre o “aborto”

31 de Julho de 2018

Inviolabilidade da vida: Jurista maringaense escreve reflexão sobre o “aborto”

A liberdade é uma palavra talismã. Ninguém quer ser contra a liberdade. Sucede, porém, que a liberdade absoluta é a sua negação, porque incide no absolutismo do ego, quando não há direito absoluto. Todos os direitos podem e devem ser ponderados diante de outros para verificar no caso específico qual prevalece e sua bússola são os valores da vida. Praticando-se os valores, eleva-se a sociedade; se não são praticados, a sociedade sucumbe lentamente. A derrocada dos valores leva o país à destruição, como ocorreu com o Império Romano.

Faça-se uma reflexão sobre a liberdade, em termos práticos: o direito à liberdade da mulher em praticar o aborto.

Pela axiologia, que é a análise e estudo de valores, dois valores se atritam: a liberdade da mulher ante a liberdade da criança em viver, mesmo na vida intrauterina.

Qual o bem maior para o ser humano? A vida, pois todos os valores e direitos decorrem dela; ela é a base, sem a qual os demais não possuem nenhum significado. Sem a vida, nem se cogita de liberdade, logo a vida é mais importante. Em termos de axiologia, portanto, a vida da criança prevalece sobre a liberdade da mulher.

Em termos de ponderação de princípios de direito: a missão do Estado, como defensor do bem comum, é defender a vida e usar todos os meios para colimar tal objetivo, por isso as Constituições democráticas têm como primado a preservação e defesa da vida.

A Constituição Brasileira é taxativa, no art.5?: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade...”. Ora, se o Estado detém esse dever, é antagônico a um Estado autorizar o aborto por meio de uma lei, porque esta legitima a morte de um ser humano, afronta a vida intrauterina e agride a dignidade do ser embrionário – que é apenas uma etapa da pessoa.

A pessoa é um ser in fieri, ou seja, sempre em formação, por isso a vida acontece em etapas: embrião, bebê, criança, jovem, adulto, terceira idade e ancião. Ao aprovar a lei do aborto, o Estado se desvia de sua finalidade e ele próprio atenta contra a vida da pessoa e a sua dignidade, quando sua missão é tutelá-la.

Portanto, em todo Estado onde há aprovação do aborto, trata-se de uma lei inconstitucional que deve ser declarada como tal, uma vez que o Estado transgride a ordem jurídica que ele mesmo estabeleceu para si, por meio da Constituição.

Ao Estado democrático também não se excluem a aplicabilidade de outros direitos e garantias “decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados...” (art.5?, § 2? da CF). Numa democracia há dois princípios: o da hierarquia e o da igualdade.

O princípio da hierarquia se aplica às autoridades ante o cidadão, prevalecendo este, pois o Estado se estrutura, comanda e age por meio delas. Todo cidadão deve respeitar uma autoridade, e uma autoridade deve respeitar aquelas que estão em cargos mais elevados. Exemplos: um juiz de primeira instância obedece as decisões do Tribunal do seu Estado; e este Tribunal, por sua vez, obedece as decisões da Corte Suprema. Um vereador deve respeitar um prefeito, como um prefeito o governador, e este o presidente da República. Também nas instituições religiosas, como nas militares, há uma hierarquização, para a manutenção de sua própria existência. Sem hierarquia implanta-se a baderna.

Assim, para prestigiar o mérito dentro da democracia, acolhe-se o princípio da hierarquia às pessoas que realmente mereçam preencher um cargo. Se todos fossem iguais numa democracia, ninguém respeitaria ninguém, e seria um caos a administração do Estado. Portanto, é necessário o princípio da hierarquia em relação às autoridades.

Há o princípio da igualdade no sentido de que perante a lei todos são iguais. A lei não pode fazer discriminação. Se assim fosse permitido, bastaria alguém tomar o poder e fazer leis discriminatórias para prejudicar seus antagonistas, quando a lei existe para normatizar o bem comum.

Assim, a lei não pode discriminar o embrião, que já está no ventre materno, porque ali há uma vida pulsante e uma pessoa em formação. Aliás, pelo princípio da igualdade, “Ruy Barbosa, na Oração aos Moços, com base nos ensinamentos de Aristóteles, acentuou:

“A regra da igualdade não consiste senão em aquinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho, ou da loucura....” (BARBOSA, Ruy. Discursos, Orações e Conferências: Tomo II. 4. ed. São Paulo: Edigraf S.A. p. 418.)

Ora, pela condição frágil e inferior do ser embrionário, é ele quem mais precisa da proteção e da tutela do Estado e não a mulher, uma vez que ele é o frágil na relação jurídica.

Quando esses princípios foram aplicados na história da humanidade?

Na segunda guerra mundial, com o nazismo. Como essa ideologia política preconizava o aprimoramento da raça, e, segundo ela, o povo alemão a representava para dominar o mundo, então o alemão, pelo princípio da hierarquia, era superior ao judeu, ao cigano, ao católico, e os conduzia ao holocausto.

O mundo inteiro condenou e condena o nazismo por causa da aplicação do princípio da hierarquia, quando perante a vida todos detêm o direito igualmente inalienável à vida. Perante a vida, todos são iguais. Nem se cogita de aplicação do princípio da hierarquia, como foi visto. Contudo, para o aborto – tal como no nazismo – aplica-se o princípio da hierarquia: a mãe tem a supremacia do direito à vida sobre a criança em seu ventre. Essa criança já tem o direito à vida tanto quanto a mãe.

Perante a vida aplica-se o princípio da isonomia, constitucionalmente assegurado: todos detêm o direito à vida e todos são igualmente iguais perante ela. Essa igualdade advém da criação do homem por Deus: todos advieram da mesma argila. Ninguém foi criado pelo ouro ou pela prata. Todos da mesma carne, logo todos iguais. Portanto, praticar o aborto é o mesmo que faziam os nazistas. Mas o que está acontecendo com a sociedade? Condena hipocritamente o nazismo, mas pratica os mesmos horrendos delitos, porque a câmara de gás, agora, é o ventre da mulher e o Hitler é a lei, que autoriza o aborto.

Qual a solução para essa problemática que o Estado, com a incumbência de preservar a vida, deveria fazer? Uma campanha para a doação.

Não quer a criança? Faça um gesto de solidariedade humana: doe o filho a um casal que procura ansiosamente uma criança para ser adotada, e cuja adoção será a felicidade desta. Todos ganhariam. Aplicando-se os valores da vida e da sua dignidade, há ganho de capital social, porque haverá a transformação da cultura da morte, para usar a terminologia do Papa João Paulo II ( em Evagelium Vitae: Sobre o valor e a inviolabilidade da vida humana. São Paulo: Editora Paulinas. 1995, p. 27) em cultura da vida.

Pela filosofia, o modo de agir revela o ser. Estaremos sendo coerentemente humanos quando uma lei, em qualquer país, aprova o aborto? Ou simplesmente estaremos sendo mais covardes, pois no nazismo havia o holocausto de pessoas adultas, mas agora as vítimas são seres silenciosos?


Dirceu Galdino Cardin é maringaense, poeta, advogado e jurista.