Artigo: Para encontrar Deus, são necessárias igrejas e celebrações?

07 de Dezembro de 2020

Artigo: Para encontrar Deus, são necessárias igrejas e celebrações?

A Arquidiocese de Maringá, devido ao aumento de casos de infectados pelo coronavírus, resolveu suspender temporariamente as celebrações presenciais que aglomerem pessoas, como forma de combater o avanço da pandemia (as igrejas permanecerão abertas para orações individuais), também pela exigência do Decreto Municipal, até o próximo dia 13 de dezembro, quando então será avaliada a situação dos hospitais.

Essa decisão dolorosa para todos nós está causando contestações por parte de algumas pessoas (#QueroMinhaIgrejaAberta) que se sentem desorientados diante dessa triste situação.

Pessoas do movimento dos descontentes (vários católicos), talvez, por falta de formação e de uma espiritualidade mais encarnada, pensam que a experiência com Deus se reduz ao templo ou à comunhão eucarística, por isso se sentem perdidos, desorientados, falta-lhes um ponto de referência importante.

Mas os Evangelhos e a tradição ensinam que não é apenas no templo o lugar para encontrar Deus, e não é apenas a celebração eucarística que pode alimentar o crente. “Não é o lugar que santifica o homem, mas o homem que santifica o lugar”.

O documento do Concílio Vaticano II (Gaudium et Spes - Alegria e Esperança) fala que o “Altar” dos Leigos são as realidades temporais; também o Papa Francisco não se cansa de apelar para “uma Igreja em saída”, convocando os fiéis leigos para “uma maior participação e compromisso dos valores cristãos no mundo social, político e econômico” (Alegria do Evangelho – EG, 102), pois aí o cristão não só poderá sanar as consequências dos males do nosso tempo, mas perceber suas raízes (Compêndio da Doutrina Social da Igreja, Cap. 12).

Enfim, a Igreja, em sua doutrina, ensina que, para o cristão salvar sua alma, terá que se preocupar com o corpo das pessoas: o que comem, onde moram, como vivem etc. (EG, 182), isso Jesus deixou bem claro no seu ensinamento sobre o juízo final em Mt, 25, 31-46. 

Embora essa decisão seja emergencial, causada por esse vírus mortal que se espalha e infecta em todos os lugares, muitas pessoas argumentam que outros estabelecimentos estarão abertos e que eles são menos seguros do que os ambientes das igrejas. A Covid-19 tem sido um flagelo avassalador sobre todos os países – ricos e pobres, cristãos e agnósticos, justos ou injustos. A experiência diante desta enfermidade reconheceu que o recolhimento ainda é a melhor terapia, embora isso possa custar nossa liberdade, nosso direito ao culto e à comunhão na igreja.

Na guerra, uma pessoa pode se salvar fugindo, buscando os abrigos, mas, com o vírus, isso não é possível, não há vias de fuga e a única defesa é impedir que ele se dissemine, por meio da restrição dos comportamentos normais, evitando o máximo possível todo contato entre os indivíduos.

Se, durante a guerra, as pessoas encontravam conforto indo rezar na igreja, agora, com o vírus, não é possível; as igrejas permanecem fechadas porque, do contrário, poderiam também se tornar locais de contágio. A fé não substitui as normais medidas de higiene, mas as presume. É bom orar ao Senhor para nos ajudar a superar o momento, mas isso não significa que temos o direito de nos colocar em situações de perigo. “Não tentarás o Senhor teu Deus” (Dt 6,16).

Jesus libertou a pessoa humana de todo espaço sagrado; não existe casa de Deus além do ser humano. O autor do Apocalipse, ao descrever a nova realidade inaugurada por Jesus, proclama: “Eu não vi templo nela porque o Senhor Deus, o Todo-poderoso, e o Cordeiro são o seu templo” (Ap 21,22).

O local do encontro com Deus é Jesus Cristo e, com ele, toda pessoa que o acolhe: “Se alguém me ama, guardará minha palavra e meu Pai o amará; e viremos para ele e faremos nele morada” (Jo 14,23). O homem é o único verdadeiro santuário a partir do qual o amor do Pai por suas criaturas se manifesta e irradia. Essa é a fé do crente. “Não sabeis vós que sois o templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós?” (1Cor 3,16) escreve Paulo, tão convencido dessa realidade que afirma: “Cristo vive em mim” (Gl 2,20).

É por isso que a presença de Cristo não se limita à igreja, ao Santíssimo Sacramento. O encontro com Deus não é condicionado por lugares ou celebrações, mas é real e autêntico toda vez que seu amor é comunicado e enriquece a vida dos outros. Cabe ao ser humano perceber, em sua vida, que é a presença divina que continuamente guia, acompanha e segue a sua existência, como exclama Jacó, espantado: “Na verdade o Senhor está neste lugar; e eu não o sabia” (Gn 28, 16) (Cf. Alberto Maggi, sacerdote e teólogo, biblista, frei da Ordem dos Servos de Maria, artigo publicado no site IHU, em 17/03/2020).


Quando as autoridades nos conclamam aos grandes desafios humanos e pastorais, somos chamados pela Autoridade das autoridades para interceder pelo mundo, pelas pessoas, pelos profissionais da saúde, por todos aqueles que mais necessitam.

O Papa São João Paulo II, em sua Carta Encíclica “O Esplendor da Verdade” (1993), já nos fazia o seguinte alerta:

“O ensino da doutrina moral implica a assunção consciente destas responsabilidades intelectuais, espirituais e pastorais... A Igreja tem o grave dever de educar os fiéis para o discernimento moral, para o empenhamento no verdadeiro bem e para o recurso confiante à graça divina.

A discordância, feita de interesseiras contestações e polêmicas através dos meios de comunicação social, é contrária à comunhão eclesial e à reta compreensão da constituição hierárquica do Povo de Deus. Na oposição aos ensinamentos dos Pastores, não se pode reconhecer uma legítima expressão da liberdade cristã nem da diversidade dos dons do Espírito” (EV, 113).

Também podemos ver, na Constituição Dogmática “Lumen Gentium”, sobre a Igreja “Luz dos Povos”, a seguinte exortação sobre os fiéis leigos:

São plenamente incorporados à sociedade que é a Igreja aqueles que, tendo o Espírito de Cristo, aceitam toda a sua organização e os meios de salvação nela instituídos, e que, pelos laços da profissão da fé, dos sacramentos, do governo eclesiástico e da comunhão, se unem, na sua estrutura visível, com Cristo, que a governa por meio do Sumo Pontífice e dos Bispos. Não se salva, porém, embora incorporado à Igreja, quem não persevera na caridade: permanecendo na Igreja pelo ‘corpo’, não está nela com o coração. Lembrem-se, porém, todos os filhos da Igreja que a sua sublime condição não é devida aos méritos pessoais, mas sim à especial graça de Cristo; se a ela não corresponderem com os pensamentos, palavras e ações, bem longe de se salvarem, serão antes mais severamente julgados” (LG, 14).

Independentemente dos decretos e leis deste tempo que nos convidam ao isolamento social, vamos dar nosso bom testemunho e orar por nossos vizinhos e familiares, cumprindo nosso dever cristão de desejar o bem para nossa cidade, como disse o profeta: “Procurai a paz da cidade, para a qual fiz que fôsseis levados cativos, e orai por ela ao Senhor, porque na sua paz vós tereis paz” (Jr 29,7).


Diante dessa pandemia, o momento é de reflexão e expansão da consciência quanto à responsabilidade individual e coletiva, valorizando a saúde, a integridade e a preservação da vida de forma solidária e humanitária.

Os cristãos perseguidos na Igreja primitiva rezavam e compartilhavam sua fé nas catacumbas, e nós podemos fazer o mesmo. Lembremo-nos de que Jesus disse: “Onde dois ou mais estiverem reunidos em meu nome, eu estarei no meio deles” (Mt 18,20). Lembremo-nos também de que a Igreja não é um edifício. É a comunidade, começando pela família.

Concluo com as palavras de nosso amigo do Conselho de Leigos da Arquidiocese de Maringá, Walter Souza Fernandes: “Por fim, ressalvo aos ‘zelosos’ guardadores da fé, que pensem ainda na saúde dos nossos padres e pastores que, pela idade, em sua grande maioria, fazem parte do grupo de risco. Ademais, não houve o fechamento das igrejas, o que houve foi a ‘suspensão temporária de abertura dos templos ao público em celebrações’. A Igreja, corpo místico de cristo, continua existindo e ‘funcionando’, como queiram, vinte e quatro horas por dia, principalmente na Igreja Doméstica de seu lar” (Catecismo da Igreja Católica, 1655-1658).

Com essa reflexão desejo contribuir para os desafios desse difícil momento de nossa história. Que venham muitos frutos para o Reino de Deus e que ninguém fique deixado de lado.



Padre Leomar Antonio Montagna

Arquidiocese de Maringá – PR



Foto: CNBB