Morre cônego Telles, o primeiro padre ordenado na Arquidiocese de Maringá

26 de Agosto de 2022

Morre cônego Telles, o primeiro padre ordenado na Arquidiocese de Maringá

Cônego Benedito Vieira Telles (93) faleceu na noite dessa quinta-feira, 25 de agosto. Ele estava hospitalizado desde o dia 08 de agosto em decorrência de pneumonia e infecção urinária. O velório será realizado a partir das 8h desta sexta-feira, 26, na Catedral Metropolitana Basílica Menor Nossa Senhora da Glória.

Haverá missa de corpo presente na Catedral às 12h e 15h. O sepultamento será realizado às 16h30 no Cemitério Rainha da Paz.

Padre Telles foi o primeiro presbítero ordenado na Diocese de Maringá, por Dom Jaime Luiz Coelho, em 29 de junho de 1960. A celebração foi realizada na Catedral, ainda de madeira.

Formado em filosofia, teologia e direito, membro da Academia Maringaense de Letras, cônego Telles foi professor da Universidade Estadual de Maringá, onde lecionou por 36 anos. Também foi professor da Unicesumar.

Além da Catedral de Maringá, trabalhou nas paróquias de Inajá, Atalaia e Guairaçá, hoje pertencente à Diocese de Paranavaí. Também foi capelão do Albergue Santa Luíza de Marillac.

Cônego Telles era reconhecido como homem culto, extremamente inteligente. Quando morou em Roma, foi convidado por João Paulo II a dar aulas de português para o Papa e seu sucessor, cardeal Joseph Ratzinger, Papa Bento XVI.

O relato a seguir, escrito pelo próprio cônego Telles, foi publicado no livro “Nas Alturas – A história da paróquia Catedral de Maringá”, de autoria dos jornalistas Rogério Recco e Everton Barbosa, lançado em 2022 por ocasião dos 50 anos da Catedral Nossa Senhora da Glória.


O Natal na roça

“Fato interessante acontecido à noite de Natal. Padre Scherer, que assim era chamado, pedia durante as celebrações que todos os fiéis trouxessem para a Missa do Galo lampiões, lamparinas, faroletes e velas, no primeiro Natal na cidade de Maringá. O fato marcou a história da incipiente cidade. Maringá que não tinha luz elétrica, senão alguns comerciantes detinham motores a óleo para produzir a energia elétrica.

Iniciada a Missa de Natal, no ofertório, houve o canto de Noite Feliz na maravilhosa voz da mamãe, soprano, de dona Maria da Conceição Telles, que arrancou as lágrimas de muitos fiéis, acompanhada ao violão de seu filho Ademar Vieira Telles, estudante de engenharia.

Morávamos na Rua Bandeirantes, hoje, Joubert de Carvalho.

Após a missa de Natal, padre Emílio Scherer participou, em nossa casa de madeira, com nossa família, da ceia de Natal, preparada pela mamãe e minhas irmãs Maria de Lourdes e Dalva Telles. À ceia, foram-nos servidos assados de paca, tatu, cabrito e leitão e outras iguarias, regada com a cerveja importada do Paraguai. Nosso ilustre comensal visitante despediu-se de todos e voltou para sua fazenda de São Bonifácio. Foi meu primeiro Natal que nos marcou muito e restaram saudades.

Muitos de nós já estávamos dormindo, quando uma baita onça derrubou a cerca de balaústre e matou dois cachorros que trouxemos de Bueno Brandão. Meu irmão João pegou o revólver para matar a onça, mas a mamãe impediu o ‘oncicídio’. Após o Ano Novo voltei para o Rio de Janeiro, de férias.


A ordenação presbiteral

No dia 20 de junho de 1960 deixei o Seminário Maior São José - para ser ordenado sacerdote por Dom Jaime Luiz Coelho, na antiga Catedral de madeira, no dia 29 de junho de 1960. No Rio de Janeiro, cursei três anos de Filosofia e quatro anos de Teologia.

A igreja Catedral de Maringá era pequena, empoeirada, em que se deu a ordenação presbiteral do primeiro padre na Diocese de Maringá. O cerimonial esteve sob a regência do monsenhor Pedro Fedalto, à época, secretário e chanceler do Arcebispo de Curitiba, Dom Emanuel da Silveira d'Elboux.

Concelebraram a missa de ordenação sacerdotal seis sacerdotes da Diocese de Maringá.

Fato que muito me marcou foi ao estar deitado no chão, durante a ordenação e récita da Ladainha de Todos os Santos, num velho e surrado tapete, as crianças que estavam presentes, chutavam meus pés e diziam: ‘Ele morreu’. Realmente morri para o mundo. Naqueles momentos pedia a Nossa Senhora, que me desse a perseverança na vocação sacerdotal até o último dia de minha vida. Com a graça de Deus - até hoje - sou sacerdote, eternamente. Meu lema de sacerdote é: ‘In Manus Tuas’ - Em Tuas Mãos. Coloquei o meu sacerdócio a serviço da Igreja até o fim da minha vida. O Senhor tem me ouvido, vou singrando mares com essa bússola.

Foi um dia inesquecível, cujas presenças da mãe, viúva desde 1941, de irmãos e irmãs, primos, tios, convidados e tendo como padrinhos Francisco Gonçalves, comerciante em Maringá, e de Anibal Bianchini da Rocha, engenheiro agrônomo da CTNP.

Após a ordenação foi-nos oferecido, aos sacerdotes, parentes e convidados almoço no Colégio Santa Cruz, pelas pioneiras Irmãs Carmelitas de Santa Joaquina de Vedruna.


Padre José Germano Meyer

No domingo seguinte, às 10h, rezei a primeira Missa Solene na Catedral de Maringá, cuja igreja tornou-se pequena com a participação de fiéis. O discurso foi proferido pelo então Cura da Catedral, saudoso e querido padre José Germano Meyer, sac, meu padrinho de ordenação sacerdotal.

Padre Germano era muito estimado e admirado por onde ele trabalhou. Logo no início de seu ministério sacerdotal em Maringá conquistou a população pela sua cultura, simplicidade, pessoa lhana, dedicado aos trabalhos em prol do Reino de Deus. De origem alemã, frequentou as melhores universidades de seu país, chegando ao Brasil muito jovem, dedicou-se às a amealhar as vocações sacerdotais da Congregação de São Vicente Pallotti, em Londrina, Curitiba e finalmente, em Maringá.

Pe. Germano foi transferido para Londrina, deixando a sua amada Maringá e amigos, admiradores incontáveis.

No dia 6 de janeiro de 1962 - Dia de Santos Reis - esteve paraninfado a minha investidura de cônego na ainda Catedral de madeira, onde foi cura e reitor. No dia seguinte, dirigindo seu fusca alemão, com chuva e nevoeiro, acontece o fatídico acidente: com intenso nevoeiro e chuva entra debaixo de um caminhão e veio a óbito.

Estive em seus funerais em Londrina, onde foi sepultado. Perdi um grande amigo, conselheiro, modelo de sacerdote, cujas lembranças estão no escrínio de meu coração. Para homenagear este grande ministro de Deus, que passou por Maringá, a Câmara de Vereadores, à época, o homenageou com uma rua atrás da Catedral: Rua padre José Germano Mayer.

Retorno ao Seminário São José, Rio de Janeiro, para concluir meus estudos, fazer o Exame de ‘Universa’, de toda a Filosofia e Teologia estudadas em sete anos. Concluídos os estudos e aprovado, voltei à Diocese de Maringá.

Assumi as funções de vigário cooperador na Catedral, cuja posse foi dada por Dom Jaime Luiz Coelho, durante a concelebração da Santa Missa, às 10h. Muito bem acolhido pelos paroquianos que me desejavam trabalho, como neo-sacerdote do Senhor.

Fiquei nesse cargo até à véspera do sábado do Domingo de Ramos, pois nesse dia, padre João Phillipe, à madrugada, abandonou o curato da Catedral, sem retorno. Dom Jaime estava em Ribeirão Preto nos últimos dias de vida do senhor arcebispo Dom Luís do Amaral Mousinho, acometido de câncer, vindo logo a falecer.

Tive que assumir sozinho as cerimônias da Semana Santa, pois a Diocese era carente de sacerdotes. Na Quinta-feira Santa fui a Londrina para Dom Geraldo Fernandes, Bispo de Londrina, abençoar os Santos Óleos dos Catecúmenos, Enfermos e Crisma, para administração dos sacramentos na imensa Diocese de Maringá.

Na segunda-feira após a Páscoa passei o dia dormindo de cansaço. A missão que veio de improviso do Alto foi cumprida de acordo com os rituais prescritos pela Igreja.


Criação doCoral Santa Cecília

Ainda como vigário cooperador, secretário e chanceler do bispado, a primeira iniciativa que fizemos foi a criação do Coral Santa Cecília sob as regências do vigário cooperador da Catedral, do culto e competente padre João Amâncio Aun da Costa Novaes e do professor Aniceto Matti, ambos saudosos, dedicados amigos da causa do Senhor.

Quando o padre João Novaes foi nomeado pároco das comunidades, em São João do Caiuá e de Santo Antônio do Caiuá, assumiu a regência do coral da Catedral, nosso colega de seminário em Lavrinhas, SP, amigo e paroquiano professor Geraldo Altoé com sua irmã Polônia Altoé Fusinato.

Ao falecer o senhor arcebispo de Ribeirão Preto, Dom Jaime, depois da Missa que presidiu os funerais, retornou para Maringá. Fui nomeado cura da Catedral, função difícil que recebi.

Procurei dinamizar e fomentar os sodalícios do Apostolado da Oração, Filhas de Maria, Congregados Marianos, Cruzadinhos e Irmãos do Santíssimo Sacramento, aumentando seus membros e os formando para assumirem lideranças religiosas na paróquia da Catedral. Dentre os membros desses sodalícios formei três grupos de catequistas. À frente deles estava a dedicada professora Tomires Moreira de Carvalho, incansável colaboradora na pastoral paroquiana e Aparecida Veronezi, presidente vitalícia do Apostolado da Oração.

No dia 20 de dezembro de 1961 recebi o título de Cônego, durante o Pontificado de Sua Santidade João XXIII, e nomeado primeiro Cônego da Diocese de Maringá. No dia 6 de janeiro de 1962 recebi, solenemente, na Catedral, a investidura para novas funções eclesiásticas. Seria criado o Cabido dos Cônegos, na Diocese de Maringá. Os fiéis presentes estavam comovidos durante o eloquente sermão de Dom Jaime Luiz Coelho, enaltecendo as qualidades do novo cônego da Diocese de Maringá, reitor cura da Catedral. Não houve a criação do Cabido dos Cônegos, em Maringá, pois o Concílio Ecumênico Vaticano II deu outras diretrizes às Igrejas particulares nas dioceses.


À frente da campanha pela nova Catedral

Além dos trabalhos pastorais, fui colocado à frente da construção da nova Catedral, cuja obra estava parada há mais de dois anos. Mamãe presenteou-me com um jipe Land Rover para fazer as campanhas do café nos sítios, na cidade de Maringá, para tirar dos alicerces a catedral nova. Um trabalho confortante, mas muito cansativo em tempos difíceis em que o Brasil passava. Os militares fecharam o Congresso Nacional, impuseram a ditadura sob a égide do AI-5. Estive em Londrina, como convidado, para a recepção do senhor presidente Artur da Costa e Silva. Um presidente até simpático.

Saia de manhã e voltava à tardezinha com o jipe lotado de café e outros gêneros arrecadados. Recebia na campanha frangos, ovos, porcos, cabritos, carneiros e outros donativos que eram vendidos. A arrecadação monetária destinava-se para erguer mais um lance desse monumento, ícone e orgulho da cidade, do Paraná.

Durante a campanha aconteceu um fato interessante. Comecei a campanha do café no bairro do Pinguim. Cheguei à uma residência e fui recebido por uma senhora italiana. Muito gentil ouviu-me o pedido e a finalidade da visita. Disse ela a uma das filhas que pegasse no ninho da galinha, seis ovos para doar à construção da Catedral. Aceitei a mini oferta. No entanto, havia ali três tulhas de café cheias e dois terreiros secavam ao sol o café colhido. Achei isso estranho, mas lhe agradeci, dizendo: Deus abençoe seu donativo e que tenha o cêntuplo do que ofereceste a Deus, à sua Igreja.

Como era tarde voltei para Maringá. No dia seguinte fui à Quitanda Tico-tico, na Av. Herval, centro, vendi meia dúzia de ovos, donativos para a construção da Catedral. Pedi o comprovante da venda. Esse fato me deixou sensibilizado. Deus me inspirou, diferentemente, do que eu pensava. Como, segundo diziam, não se prestava contas de campanhas, quermesses em favor da igreja. Cheguei até a perder o sono. Levantei-me com a ideia de prestar conta, nominalmente, dos benfeitores da Catedral. Às 18h tinha o programa radiofônico da Ave-Maria, espaço cedido pelo senhor Samuel da Silveira.

Falei com o jovem Orlando Manin, de nome artístico Coronel do Rancho, que tinha melhor audiência da Rádio Cultura de Maringá. Orlando Manin, deu-me a sugestão de transmitir a Missa por telefone e prestar contas da arrecadação. Dito e feito. Falei com o saudoso Joaquim Dutra, gerente da rádio, que me sugeriu falar com o proprietário da rádio Samuel da Silveira. Consegui transmitir a Missa das 10h. Toda a região ouvia Santa Missa. Outra ideia nasceu e fervilhava na mente. No final dos programas das Ave-Marias avisava o povo que eu iria prestar contas, nominalmente, dos doadores de café e de outros donativos na Missa das 10h, em todo primeiro domingo de cada mês.

Claro que nesse dia a rádio estava sintonizada nos rádios à pilha enorme; seus ouvintes tomavam conhecimento do resultado da campanha. Com uma introdução musical, comecei a declinar os nomes dos benfeitores da Catedral. Disse que no bairro do Pinguim foi me dado seis ovos de galinha, que os vendi à Quitanda Tico-tico doados por uma senhora, cujo nome foi ao ar pelas ondas da rádio cultura. Cujo comprovante da venda está à disposição de quem possa interessar.

Foi a bomba da semana. O proprietário da fazenda de café, cedinho, com sua esposa, estava na casa paroquial, para me recriminar e reclamar da minha posição assumida perante os donativos da catedral. Fui firme no posicionamento assumido com os doadores e os convenci que na próxima campanha nos doassem, novamente, o que o coração deles poderia oferecer ao templo futuro de Maringá.

Durante a colheita do café, voltei aos sítios e eis que esse casal doou-me 15 sacas de café em coco, cujos efeitos positivos e credibilidade à Igreja Particular de Maringá foram incontestes. Aos heroicos cafeicultores, que, já receberam a eterna recompensa de seu amor por Cristo, à Igreja, descansem em paz.

Dediquei-me com meus queridos padres cooperadores na construção do templo vivo nos corações dos meus paroquianos. Eram os padres João Amâncio da Costa, Aun Novaes, Berniero Lauria, José Jezu Flor, e Francisco Conquen. A paróquia da Catedral ia até a divisa do Rio Ivaí, Mandaguaçu e Marialva. Hoje há inúmeras comunidades paroquiais com padres muitos jovens a serviço do Reino.

Tínhamos na Igreja grandes sodalícios: Apostolado da Oração, Filhas de Maria, Congregados Marianos, Cruzadinhos, Irmãos do Santíssimo Sacramento, um exército na construção de pontes para o céu. Durante 13 anos fiquei no Curato da Catedral, esse tempo foi de construção do Reino dos Céus, que marcou-me muito, dele só restaram gratidão e saudade.

Presto ‘in memoriam’ a Ivens Lagoano Pacheco, proprietário, editor Jornal de Maringá, que depois passou a ser Jornal do Povo. Pacheco colocou à minha disposição sua imprensa à divulgação de doadores e benfeitores da Catedral. Tenha a recompensa também no Reino dos Céus.

Hoje, também, meu reconhecimento e gratidão ao amigo, admirado jornalista Verdelírio Barbosa, que sempre nos prestigiou e veio a falecer no dia 13 de outubro de 2021, aos 80 anos, vítima de pneumonia.

Não participei da demolição da Catedral de madeira, que a reformei por três vezes, pois se tornava pequena com o crescimento da cidade. Novos bairros surgiam, e se dizia, à época, que se construíam, em Maringá, sete casas de madeira - peroba rosa - por dia e de alvenaria. Quando foi demolida, estava em Roma, estudando Direito Canônico na Universidade Urbaniana, ao lado esquerdo da Praça de São Pedro, no Vaticano.

Após me aposentar como professor de Direito na Universidade de Maringá (UEM) voltei a Roma para concluir estudos, em 1999, quando a convite do Vaticano prelecionava Língua Portuguesa ao Santo Padre João Paulo II e a Sua Eminência o Cardeal Josef Ratzinger, Bento XVI, sucessor de São João Paulo II. Retornei-me ao Brasil, no ano de 2000, para o Santo Natal.

Essas pinceladas históricas de minha missão na Igreja particular de Maringá, de memória, são feitas com alegria ao recordar o passado tão presente.”


Cônego Benedito Vieira Telles

Maringá, 28 de agosto de 2021