Coletiva de imprensa marca lançamento da CF 2014 em Maringá

05 de Março de 2014

Coletiva de imprensa marca lançamento da CF 2014 em Maringá

imagem Coletiva de imprensa marca lançamento da CF 2014 em Maringá

Vários veículos de comunicação participaram do lançamento da Campanha da Fraternidade 2014 na manhã desta quarta-feira (05 de março) na Cúria Metropolitana de Maringá.

A coletiva de imprensa foi organizada pela assessoria de comunicação da Arquidiocese. O combate ao tráfico humano é a temática da CF 2014 que traz como lema “É para a liberdade que Cristo nos libertou”, baseado na passagem bíblica de Gálatas 5. O objetivo geral da Campanha promovida pela CNBB é identificar as práticas de tráfico humano em suas várias formas e denunciá-las como violação da dignidade e da liberdade humanas.

Participaram da coletiva de imprensa o Arcebispo Dom Anuar Battisti; Padre Onildo Luiz Gorla Júnior (Coordenador da Ação Evangelizadora da Arquidiocese de Maringá); Padre Edivaldo Rossi Gonçalves (da equipe de formação da CF 2014) e Gisele Colombari (Coordenadora do Movimento Cursilhos).

 

Artigo do Padre Edivaldo Rossi Gonçalves

 

Um olhar sobre a Campanha da Fraternidade 2014

A Campanha da Fraternidade ultrapassa os limites da Quaresma, e permanece como um chamado perene à conversão pessoal e pastoral. Este texto não pretende ser um resumo dos conteúdos do Texto Base da CF 2014 (TB), mas apenas um olhar sobre alguns de seus elementos mais significativos. Pois, nada deve substituir o contato com as fontes.

1. O Tema

2014 será o Ano do Tráfico Humano, assim como o ano de 2013 foi o Ano da Juventude. São inegáveis as “coincidências”. A CF 2013, com o tema Fraternidade e Juventude, e a Jornada Mundial da Juventude Rio 2013, fizeram de 2013 o “Ano da Juventude”. Por sua vez, a CF 2014, com o tema Fraternidade e Trafico Humano, e a Copa do Mundo no Brasil, transformarão 2014 no “Ano do Tráfico Humano”.

Estaria equivocada essa conclusão? A primeira vista sim. Afinal, até mesmo em mim gera certa estranheza este raciocínio. Teriam nossos Bispos cometido um erro ao propor esse tema para a CF 2014? Não seria mais propício em ano de Copa do Mundo refletir sobre o acesso à cultura e ao lazer?

 

É enganoso pensar assim. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) acertou em cheio ao trazer à tona a questão do tráfico humano justamente agora. Basta ter presente que um evento esportivo desta magnitude oferece condições propícias para o crescimento do tráfico de pessoas, sobretudo no que se refere à exploração sexual.

O Texto-Base da CF 2014 não nos apresenta essa motivação – relacionando a Copa do Mundo com o tráfico de pessoas para a exploração sexual – talvez pela escassez de estudos nessa área.

Mas, é inegável que ela esteja subjacente à abordagem, como mostra a campanha “Jogue a favor da vida” (com lançamento previsto para o início de 2014), da rede Um Grito Pela Vida (formada por religiosos e religiosas que trabalham na prevenção do tráfico de pessoas em nosso país), em parceria com a Pastoral do Menor, a Cáritas Internacional, o Ministério da Justiça, a PUC de Minas e a UNISINOS, entre outras.

2. O Lema

A CF 2014 foi buscar inspiração para o seu lema na Carta aos Gálatas: “É para a liberdade que Cristo nos libertou” (5,1). A escolha é significativa, pois esse escrito paulino é considerado “o manifesto da liberdade cristã” (Bíblia Sagrada: Edição Pastoral, Introdução à Carta aos Gálatas, 2005, p. 1424).

Vale ressaltar, igualmente, que se trata da “carta mais colérica de Paulo, porque reage diante do maior desgosto que lhe podia acontecer” (Bosch, Escritos Paulinos, 2002, p. 229). Isto é, os gálatas abandonaram o verdadeiro “Evangelho de Cristo” (1,7), anunciado pelo Apóstolo, colocando-se sob o jugo da Lei Mosaica (5,2), ao aceitar a circuncisão, anunciada por aqueles que semeiam confusão (1,7).

Em todo caso, o que está em jogo é a eficácia e o valor salvífico da Cruz de Cristo. Buscar a salvação pelas obras da Lei equivale a dizer que Cristo não lhes serviu para nada (5,2). Não é por menos que mereceram ser chamados “insensatos” (3,1). Afinal, os gálatas convertidos à fé cristã eram de origem pagã e nunca haviam praticado a religião judaica.

Para a CF 2014 é toda a Carta e seu contexto – não apenas um simples versículo – que conta. Paulo condenou os “malditos” judaizantes de sua época (1,8.9 – literalmente anátema), que anunciaram “outro evangelho” aos gálatas (1,7.8.9) – fascinando-os, enfeitiçando-os (3,1) – para colocá-los sob o jugo da Lei (3,2), que gera escravidão (4,1.3.8) em lugar da prometida salvação.

Hoje, com a mesma severidade, os Bispos do Brasil condenam os fautores do tráfico humano – também malditos! – que fazem promessas enganadoras a pessoas simples e indefesas, seduzindo-as, para explorá-las das mais variadas formas. Em lugar de uma vida melhor marcada pela prosperidade econômica ou da fama, encontram apenas sofrimento, dor, humilhação e até mesmo a morte.

 

3. As principais modalidades de Tráfico Humano

A CF 2014 entende por tráfico humano “o cerceamento da liberdade e o desprezo da dignidade dos filhos e filhas de Deus”, considerando-o “um dos modos atuais da escravidão”.

Quanto às suas características gerais, o Texto Base afirma que “trata-se de um crime multifacetado, altamente lucrativo, silencioso, de baixíssimo custo e de poucos riscos aos traficantes, em que a vítima tem a sua dignidade aniquilada, sem ter como enfrentar e lidar com a situação em que foi submetida, podendo ser vendida e revendida várias vezes, como se fosse mercadoria, objeto” (TB 3).

Conforme o Ministério da Justiça do Brasil, “não há país livre do tráfico de pessoas, seja como ponto de origem do crime, seja como destino dos traficados” (Cartilha brasileira da Campanha coração azul contra o tráfico de pessoas, 2013). A ONU estima que esse negócio ilícito movimente por ano US$ 32 bilhões, concorrendo com o tráfico de drogas e de armas. Suas principais modalidades são:

a) Tráfico para a exploração no trabalho, podendo gerar condições de verdadeira escravidão. Conforme os números da Comissão Pastoral da Terra, entre os anos de 2003 e 2012, foram registrados no Brasil 62.802 casos de pessoas em trabalho escravo ou análogo. Nessa modalidade 95,3% das vítimas são homens (TB 15);

b) Tráfico para a exploração sexual, envolvendo a pornografia, o turismo, a indústria do entretenimento e da moda, a internet. Conforme os dados do Governo Federal, 80% dos traficados nessa modalidade são mulheres (TB 16);

c) Tráfico para a extração de órgãos, abrangendo a coleta e a venda de órgãos de doadores involuntários ou doadores que são explorados ao venderem seus órgãos em situações eticamente questionáveis. No Brasil, conforme denúncia do Ministério Público Federal, um esquema criminoso no inicio dos anos 2000 que ligava o estado de Pernambuco à África do Sul, teria movimentado em torno de US$ 4,5 milhões com a comercialização de aproximadamente 30 órgãos (TB 17);

d) Tráfico de crianças e adolescentes, geralmente relacionado à adoção ilegal, mas também destinado à prostituição. Os números exatos dessa modalidade são desconhecidos (TB 18).

4. A posição da Igreja

A luz da Sagrada Escritura e do Mistério da Encarnação, “no rosto das vítimas do tráfico humano a Igreja identifica traços do rosto de Jesus sofredor” (TB 217). Por isso, considera o tráfico humano “ato de injustiça e de violência que clama aos céus […] negação radical do projeto de Deus para a humanidade” (TB 91).

Para os Bispos do Brasil, o trafico humano “constitui um pecado concretizado em mentira, exploração e assassinato” (TB 159) e seus “mecanismos perversos escondem verdadeiras formas de idolatria: dinheiro, ideologia e tecnologia” (TB 160).

O Concílio Ecumênico Vaticano II (1962-1965) afirma que “a escravidão, a prostituição, o mercado de mulheres e de jovens, ou ainda as condições degradantes de trabalho, com as quais os trabalhadores são tratados como simples instrumentos de ganho, e não como pessoas livres e responsáveis são infames, prejudicam a civilização humana, desonram aqueles que assim se comportam e ofendem grandemente a honra do Criador” (Constituição Pastoral Gaudium et Spes, n. 27).

Com o mesmo profetismo, os Bispos da América Latina e do Caribe, no Documento de Aparecida (n. 73), enquadraram o “vergonhoso tráfico de pessoas” entre as questões mais graves da atualidade.

Recentemente, numa Audiência aos responsáveis do Conselho Pontifício para a Pastoral dos Migrantes e Itinerantes, o Papa Francisco declarou que “o tráfico de pessoas é uma atividade ignóbil, uma vergonha para as nossas sociedades que se dizem civilizadas: exploradores e clientes, a todos os níveis, deveriam fazer um sério exame de consciência diante de si e diante de Deus” (23/05/2013).

5. Pistas para o enfrentamento

A intenção da Igreja, com a CF 2014, é “propor iniciativas e apresentar as que já estão em curso” (TB 231), cumprindo o desafio de ser “a advogada da justiça e a defensora dos pobres” (TB 233). Para isso, aponta “três caminhos de ações principais, começando pela prevenção, cuidado pastoral das vítimas e a sua proteção e reintegração na sociedade” (TB 237).

Por seu turno, o Texto Base afirma, de modo geral, que “enquanto cristãos e pessoas de boa vontade, temos a missão de agir para que a sociedade se estruture em termo de conscientização e prevenção, de denúncia, de reinserção social e de incidência política, como eixos integrantes do processo de enfrentamento ao tráfico humano” (TB 232).

6. Para não concluir

O estranhamento (ou desconhecimento) do tema proposta pela CF 2014 não deveria fazer que o subestimássemos. O que, de forma alguma, deveria acontecer é dar por suposto que se trate de algo alheio a nossa região, à nossa Arquidiocese e, portanto, não lhe dedicar a devida atenção.

Procedendo assim, incorreríamos tanto em um grande contratestemunho de unidade eclesial, quanto num escandaloso pecado contra a caridade ao dar as costas para as vítimas desse crime ignominioso. Pois “abandonar seu semelhante ao sofrimento ou mostrar-se indiferente é falta de amor e, por isso, sinal de insanidade e desumanidade” (TB 188). Longe de nós essas coisas. Esforcemo-nos para desencadear um amplo debate em nossas comunidades sobre o tráfico humano.

 

Que a CF 2014 ajude todos e cada um de nós a sentir dirigida a si mesmo a pergunta que Deus fez a Caim: “Onde está teu irmão?” (Gn 4,9). Afinal, responder à súplica silenciosa, mas evidente do outro, é responder a Deus que pergunta por Abel.

 

 

Padre Edivaldo Rossi Gonçalves

Arquidiocese de Maringá

edivaldo_rg@hotmail.com