Artigo do padre Marcos Roberto: A teologia da Páscoa

07 de Março de 2016

Artigo do padre Marcos Roberto: A teologia da Páscoa

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A Páscoa é a solenidade da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus! Este é o conceito que resumidamente define o que é esta importante celebração na vida da Igreja. Momento forte e pleno de significados na economia da salvação que, operado por Jesus Cristo, dá o impulso necessário para a vida litúrgica da Igreja. A teologia da Páscoa é algo tão rico e profundo de elementos bíblicos que vale a pena relembrar as origens e o significado de alguns de seus símbolos.

A palavra Páscoa etimologicamente vem do hebraico pesah que traduzida para o grego será Páscoa, e significa passagem. No Antigo Testamento a Páscoa judaica tem o objetivo de celebrar a passagem, ou se preferir a saída, a fuga do Povo de Israel da escravidão do Egito rumo à Canaã, a Terra Prometida. No âmbito histórico a Páscoa dos hebreus é a festa que faz memória desta passagem da escravidão para a liberdade. O povo de Deus viveu no Egito durante 430 anos, e passou por dura escravidão sob o tempo do Faraó Ramsés II. Este mesmo povo sofrido clamou ao Senhor por libertação, e Ele enviou Moisés para tirá-lo da opressão e leva-lo rumo a uma Terra onde correria leite e mel e haveria de reinar a justiça e a paz (Ex 3, 1-22).

O faraó resistiu em conceder-lhe a liberdade requerida por Moisés, e, no entanto, Deus enviou dez pragas para forçar o faraó a obedecer a sua ordem de liberdade (Ex 7, 14 – 12, 20). A última praga foi a da mortandade dos primogênitos egípcios (o filho mais velho), e foi exatamente neste momento em que esta praga estava por acontecer que Deus instituiu a Páscoa entre os escravos hebreus com o propósito de livrá-los da morte e libertá-los do cativeiro egípcio. E assim o povo de Deus partiu com Moisés por 40 anos caminhando pelo deserto rumo à Terra Prometida.

No ato da fuga do Egito – no primeiro dia daquele mês – Deus mandou que Moisés orientasse o povo a tomar, cada família, um cordeiro sem mancha e sem defeito e guardasse em casa por quatro dias. No décimo quarto dia ao entardecer todos deveriam sacrificar o cordeiro e passar seu sangue no batente das suas portas. Sua carne deveria ser comida com pães ázimos e ervas amargas, e a cabeça do animal sacrificada, bem como os pés e as vísceras assados no fogo, porque à meia-noite o anjo da morte desceria sobre o Egito e mataria os primogênitos, mas nas casas onde houvesse o sangue marcado na porta, ele não entraria (Ex 12, 21-51). Com este ritual – naquela noite – Deus estaria libertando todo o seu povo da escravidão para conduzi-lo pelo deserto para a vida no paraíso – a Terra de Canaã.

Quando o povo de Israel entrou em Canaã celebrou-se então a primeira Páscoa judaica (Js 5, 10-11), a fim de fazer memória daquele importante evento salvífico que Deus operou no povo. O sábado era o dia dedicado pelos judeus para relembrar este feito divino: “Recorda que foste escravo na terra do Egito e que o Senhor, teu Deus, te fez sair de lá com a mão forte e o braço estendido. E por isso que o Senhor teu Deus te ordenou guardar o dia de sábado” (Dt 5, 15). Ainda hoje entre nossos irmãos judeus, a Páscoa tem o sentido de fazer memória da libertação do Egito, isto é a passagem da escravidão da morte no Egito para à vida na Terra Prometida.

Com a vinda de Jesus dá se início ao Novo Testamento e a Páscoa judaica recebe uma nova compreensão teológica, ela se torna prenúncio da morte de Cristo que, com seu sangue derramado na cruz operou a passagem da morte e da escravidão do pecado para a vida e a liberdade de filhos de Deus. Jesus é considerado o novo Moisés que liderou o seu povo a caminho da reconciliação com o Pai, a fim de tirá-lo da condição de escravo sob a égide do pecado para a vida plena na condição de justificados e salvos em Cristo.

No dia em que Israel se preparava para comemorar a Páscoa, Jesus reuniu os discípulos e depois de comerem o cordeiro imolado com pães ázimos e ervas amargas – como mandava a Lei – tomou o Pão e repartiu com eles, dizendo: “Este é o meu corpo que é entregue por vós…”, depois tomou o cálice e deu-o a todos dizendo: “Este é o meu sangue que é derramado por vós, bebei dele todos” (1Cor 11, 23-25; Lc, 22-19-20;).

Deste modo Jesus estava estabelecendo uma Nova Aliança, não mais um cordeiro sacrificado com o sangue marcado nos batentes das portas, mas ele próprio se oferecendo na cruz como vítima para a expiação dos nossos pecados. Se lá no Antigo Testamento o sangue do cordeiro era o sinal operado por Deus para a passagem da escravidão para a liberdade, agora no Novo Testamento este cordeiro sem manchas e defeitos é o próprio Cristo que se oferece no altar da cruz como oferenda viva para a libertação de todo pecado. O Pão e o Vinho são, portanto, as substâncias que Jesus utilizou para materializarem no seu Corpo e Sangue derramado na cruz.

Depois desta última ceia instituída como sacrifício de redenção e comunhão fraterna em seu Corpo e Sangue, deu uma ordem aos apóstolos: “Façam isso em minha memória” (Lc 22,19), desejando que o grupo dos apóstolos perpetuasse na história humana esta Nova Aliança. Nascem com este mandato de Jesus dois sacramentos: o sacramento da Eucaristia – presença real e atuante de Jesus sob as aparências do Pão e do Vinho – e o sacramento da Ordem – ministro Ordenado que preside a Eucaristia in persona Christi. Os primeiros cristãos tinham consciência do que esta ordem de Jesus representava, e em obediência às suas palavras nasce a comunidade cristã –  A Igreja Católica Apostólica.

Portanto, a Igreja ao celebrar a missa faz memória daquele único e irrepetível Memorial da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus. Éramos escravos do pecado e Jesus nos libertou!

Fazer esta memória não é mera lembrança psicológica ou um gesto repetitivo ao modo de um teatro, mas sim trazer presente nos dias de hoje aquele único e irrepetível Memorial presidido por Jesus para a nossa liberdade. Cada Eucaristia que se celebra é aquela mesma Eucaristia presidida por Jesus que faz memória do dia que passamos da condição de escravos para a dignidade de filhos e filhas de Deus libertos no seu gesto de entrega total e suficiente na cruz.

O Tríduo Pascal – Paixão, Morte e Ressurreição – é a liturgia que nos insere neste mistério, e o domingo ganha a precedência porque foi no primeiro dia da semana que o Senhor ressuscitou vencendo definitivamente todo o pecado no mundo (Mc 16, 9). Foi no domingo que reencontramos a alegria de sermos salvos no seu amor. Por isso, celebrar a Páscoa é adentrar ao mistério Pascal do Senhor – Paixão, Morte e Ressurreição!

 

Padre Marcos Roberto Almeida dos Santos

Arquidiocese de Maringá-PR