Artigo de padre Marcos Roberto: Cem anos de dom Jaime – O Centenário de um paulista

22 de Julho de 2016

Artigo de padre Marcos Roberto: Cem anos de dom Jaime – O Centenário de um paulista

No próximo dia 26 de julho dom Jaime faria 100 anos de idade! Certamente haveria uma grande festa com homenagens e tributos a este homem que marcou a história da Igreja de Maringá no exercício do seu ministério episcopal (1957-1997). Dom Jaime nasceu em 1916 em Franca, estado de São Paulo, e aos 16 anos de idade (1932) ingressou no Seminário Menor de Campinas e, posteriormente, cursou filosofia e teologia no Seminário Central do Ipiranga na arquidiocese de São Paulo. Foi ordenado padre em 1941 e bispo em 1957, transferindo-se para a recém-criada diocese de Maringá. Deixou o governo da Igreja em 1997, depois de 40 anos como seu pastor. Faleceu em 5 de agosto de 2013, aos 97 anos.

Dom Jaime era um bispo que sabia de sua importância para a consolidação da fé na diocese de Maringá. Por isso exercia de modo incisivo seu ministério episcopal como representante da Igreja e, fazia uso da palavra como instrumento de comunicação e persuasão daquilo que acreditava. Homem habilidoso nos discursos e inteligente no raciocínio sabia lidar com o povo simples e com as autoridades políticas sem perder a postura de bispo e a credibilidade exigida, ou mesmo entrar em contradição com seus princípios pessoais. Era homem de uma só palavra, e mesmo no confronto com seus adversários não esmorecia de suas posições. Seus propósitos não eram outros que alargar a presença da Igreja e angariar espaços de solidificação e fortalecimento da fé na diocese de Maringá.  


Padre Jaime Luiz Coelho – diocese de Ribeirão Preto

Embora acostumados a retratar Dom Jaime a partir de sua chegada em Maringá, em 24 de março de 1957, as bases referenciais de sua personalidade foram formadas em sua terra natal, diocese de Ribeirão Preto. Foi lá no contato com a Igreja e a sociedade de sua época que plasmou seu caráter determinado e firme. Basta um breve olhar à história da Igreja paulista, na primeira metade do século XX, que se encontrará o ambiente político-cultural que diretamente influiu sobre a geração de padres da época de Dom Jaime.

Dom Jaime provinha de uma família de posses razoáveis do nordeste paulista. Morava em Franca e teve sua vida ligada à Igreja de Ribeirão Preto desde o seu nascimento em 1916. Ribeirão Preto era uma diocese de médio-porte, recém-criada (1908) e refletia a pujança econômica de uma época marcada pela riqueza do café. O nascimento de Dom Jaime praticamente coincide com a fundação da diocese de Ribeirão Preto e, sua infância e período de seminário coincidem com o longo episcopado do seu primeiro bispo, dom Alberto José Guimarães (1908-1945). Este bispo, nascido em 1859, era remanescente de uma Igreja da época do Império (1822-1889) e, provinha de um ambiente político-cultural onde o Estado e a Igreja estavam unidos – regime de união Imperium-Sacerdotium. Fora deputado estadual da Província do Paraná em vários mandatos e senador da recém-República do Brasil. Com o advento da proclamação da República (1889) dá-se o fim do padroado e, consequentemente a separação Igreja-Estado e a liberdade religiosa e de cultos. O passo imediato desta República maçom-positivista fora banir a Igreja do círculo de influências políticas no Brasil e, diversas sanções foram impostas a ela no intuito de diminuir sua influência na condução política do país. Dom Alberto inicia seu ministério episcopal em Ribeirão Preto num ambiente político hostil à influência da Igreja.

Os bispos daquela época, embora entusiastas pelo fim do padroado e a liberdade religiosa adquirida, estavam ressentidos pela perda do status quo de religião oficial do Estado, pois os receios com o protestantismo oriundo da emigração europeia, o espiritismo kardecista e o republicanismo anticlerical dos maçons eram uma ameaça concreta aos quatro cantos do Brasil. A contraofensiva do episcopado brasileiro foi na direção de reformar a decadente Igreja saída do terrível padroado monárquico e alargar seus espaços de convencimento da fé através da influência da cultura católica, sobretudo às classes média e alta. Este projeto convergiu para uma geração inteira de eclesiásticos no propósito de unir a cristandade brasileira sob a autoridade dos bispos. A infância de Dom Jaime e o seu período de formação no Seminário Central do Ipiranga, seguramente, ressoavam esta atmosfera religiosa brasileira. Não creio que a inteligência pessoal de Dom Jaime era indiferente a estas questões de sua época.

Nos anos vindouros do Estado Novo e com a exaustão da República Velha (1930), o porvir de uma nova era – inaugurada por Getúlio Vargas – se abre à história da Igreja do Brasil. O cardeal do Rio de Janeiro, Sebastião Leme, torna-se a figura central na recondução da Igreja no cenário de influências políticas. Nos anos 30 a Igreja brasileira tinha se reformado internamente e, se transformado num corpo grande e organizado, com inúmeras dioceses recém-criadas, um episcopado unido ao redor do cardeal Leme, e o povo organizado em diversas instituições religiosas importadas da Europa, como o Apostolado da Oração, Filhas de Maria, Vicentinos, Ação Católica, Liga Eleitoral Católica, etc., de tal modo que a Igreja estava preparada para exigir do novo regime  getulista direitos constitucionais que garantisse a ela o exercício pleno da religião num país de maioria absoluta católica. Para o cardeal Leme “ser brasileiro é ser católico”. O triunfo do cardeal Leme garantiu à Igreja na Constituição de 1934 o direito à educação católica nas escolas, assistência religiosa ao exército, feriado da padroeira do Brasil, entre outras conquistas. A mobilização e organização do catolicismo brasileiro sob a liderança do cardeal Leme despertou a atenção e o interesse do presidente Getúlio Vargas no intuito de favorecê-la.

Em 1941 Jaime Luiz Coelho é ordenado padre pelo bispo auxiliar de Ribeirão Preto, dom Manuel da Silveira D´Elboux. Este fora seu formador no Seminário Central do Ipiranga, e posteriormente bispo-auxiliar de Ribeirão Preto e, quando da morte de dom Alberto, tornou-se seu bispo diocesano. A relação de dom Jaime com dom D´Elboux exprimia a relação de pai e filho e, assim confessou dom Jaime num artigo publicado em 1970 por ocasião de sua inesperada morte: “Como um amigo, e para mim, mesmo que um Pai, o Padre D´Elboux falava mais pelo silêncio que com palavras”. Este homem era o modelo de padre e de bispo para Dom Jaime, homem do silêncio, discreto, sorridente e amável, discípulo e imitador das virtudes de São Francisco de Sales. A mútua colaboração entre os dois bispos se manteve mesmo depois, no estado do Paraná, para onde dom D´Elboux fora nomeado arcebispo de Curitiba (1950) e dom Jaime, certamente, por influência e indicação do amigo metropolita, bispo de Maringá.

Com a transferência de dom D´Elboux para Curitiba sucedeu-lhe (1952) na diocese de Ribeirão Preto dom Luís do Amaral Mousinho. Dom Jaime conviveu com este bispo por apenas quatro anos quando de sua nomeação para Maringá. O interessante de dom Mousinho era a sua preocupação com a evangelização do povo. Estava atento às novas demandas da Igreja paulista e, com o rápido desenvolvimento do Brasil não ousou em afirmar da necessidade de lançar mão de meios mais eficazes para o triunfo da fé. Assim exprimiu dom Mousinho por ocasião da instalação canônica da arquidiocese de Ribeirão Preto em 1958: “Vivemos na época da ‘pastoral de conjunto’... da pastoral de visão ampla e completa, obtida pelas pesquisas e recursos oferecidos pela Sociologia religiosa”. Dom Mousinho ansiava uma reforma na Igreja e chamava a atenção do clero para junto com o bispo assumir as responsabilidades da evangelização, e deste modo, quando de sua chegada em Ribeirão Preto (1952), estando no palácio episcopal para a recepção de boas-vindas por parte do clero local, exprimiu aos seus padres ali reunidos: “Ninguém tem o direito de fazer cerimônias nesta casa, porque esta casa não é do bispo, mas de todos os seus diocesanos”. Às vésperas de sua morte em 1962, pouco antes da inauguração do concilio Vaticano II, expôs um conjunto de propostas à CNBB no intento de contribuir com a efervescência do pré-concilio no Brasil. A Igreja no imediato pós-2ª Guerra, mas, sobretudo na década de 50 vivia um clamor por renovação interior, de modo que se abrisse às novas realidades culturais do mundo contemporâneo. Dom Jaime inicia seu ministério episcopal (1957) em meio a um clima de enormes expectativas de abertura e renovação da Igreja católica.


Dom Jaime Luiz Coelho – bispo de Maringá

Depois desta trajetória histórica pela então diocese de Ribeirão Preto se constata facilmente que o caráter de dom Jaime era resultado, principalmente, das suas experiências anteriores, de sua diocese de origem. O estado de São Paulo era – e ainda é – assim como o Rio de Janeiro, polo de irradiação de ideias e novidades da sociedade brasileira. A Igreja no Brasil ressoa por primeiro nos seus principais bispados e, naquela época, o entroncamento Rio-São Paulo-Minas funcionava como ponto de partida das inovações religiosas no Brasil.

Dom Jaime ao chegar em 1957 nestas terras de Maringá recém-abertas pela Companhia de Terras trouxe consigo não somente sua juventude e disposição de implantar a Igreja e a fé, mas, sobretudo trouxe seu mundo paulista de enxergar as coisas. A visão paulista de Dom Jaime convergia com a visão paulista dos colonizadores e retirantes que aqui se mudaram com a pretensão de derrubar a floresta e iniciar o progresso e o desenvolvimento de uma região coberta pelo mato. Dom Jaime exerceu forte influência no desenvolvimento da cidade de Maringá, também recém-fundada pela Companhia (1948). Numa sociedade católica a palavra do bispo torna-se mais importante que a do próprio prefeito e, para ele não existia verdadeiro progresso se não estivesse fundado nos valores da fé e da religião. Dom Jaime tinha consciência de sua importância nos rumos políticos da cidade e, sabia fazer uso daquilo que lhe cabia por direito. Discursos diretos, artigos semanais na imprensa local, postura clara com objetivos bem definidos, contato com o povo, etc., fazia dele não somente um líder religioso, mas uma peça importante no tabuleiro da política local. Não falava em nome próprio e não temia as críticas de seus adversários, ao contrário, enfrentava-as com argumentos teológicos fundados na Sagrada Escritura, no Magistério da Igreja, nos documentos pontifícios e nos pronunciamentos da CNBB. 

Deste modo, o feitio moral, a firmeza e coerência de dom Jaime revelam a relevância de grandes homens que o formaram no estado de São Paulo. Seu episcopado teve uma dose do pujante bispo dom Alberto José Gonçalves, 1º bispo de Ribeirão Preto que a governou por 36 anos (1908-1945). Foi o bispo que soube lidar com a próspera economia de uma época marcada pela riqueza do café. Foi o homem articulado com a política e, havia sido deputado estadual e senador, gostava das comitivas políticas e era capaz de transformar uma data religiosa em ocasião de prestígio na sociedade de sua época. Basta recordar a pomposa solenidade no seu jubileu de sacerdócio e episcopado realizado em 1934. A mentalidade da época era de uma Igreja revestida do status social, e a ela cabia um lugar de destaque nas convenções sociais. A força política de dom Jaime em Maringá encontra suas origens na atmosfera religiosa de sua juventude nos anos 30, onde os bispos buscavam reconciliar-se com a política hostilizada pela Velha-República. Não por acaso que o grande líder do episcopado brasileiro na década de 30 era o cardeal Leme, o grande idealizador da recondução da Igreja na política nacional da sociedade de então.

Na sequência dos bispos de Ribeirão Preto veem-se também em dom Jaime a ternura e paternidade de dom Manuel da Silveira D´Elboux (1946-1950). Homem afável com gestos humanos capaz de se sensibilizar com os mais humildes e fracos. A força de dom Jaime não estava somente na sua palavra e discursos inflamados em favor da moral e dos bons costumes, mas inclusive nos seus gestos de piedade e de amor a Igreja, ao Santo Padre, a Virgem Maria e aos pobres. Sua atenção aos mais necessitados tirava dele o ornamento de príncipe da Igreja e o colocava na condição de irmão sensível aos sofrimentos dos miseráveis. Por fim, o caráter de dom Jaime se encontra em dom Luís do Amaral Mousinho (1952-1962), preocupado em responder a altura os desafios da evangelização em tempos de crescente descrença à Igreja. Dom Mousinho chamava a atenção do clero para a corresponsabilidade nos assuntos relativos à Igreja e, desejava um clero unido e bem-formado para fazer frente às investidas contra a fé. Dom Jaime se preocupava e, se empenhava, com a unidade do seu clero, mesmo que para isso usasse de remédios amargos. O seu coração de bispo atento a uma eficaz pastoral impulsionou o surgimento de diversas frentes de evangelização, de modo que a diocese de Maringá foi uma das pioneiras no Brasil na elaboração de planos de pastoral de conjunto.

Não poderia me esquivar de citar dona Guilhermina Cunha Coelho, mãe de dom Jaime, falecida aos 92 anos, em 1982. Ela simboliza o modelo de mulher e mãe, protótipo ideal do bispo. Para ele, sua mãe era “aquela força catalisadora para a nossa união”, assim exprimiu o bispo num artigo dominical no domingo das mães de 1982.


Concílio Vaticano II

O início da diocese de Maringá coincide com os preparativos do concílio Vaticano II (1962-1965). Tempos de esperada mudança e renovação pastoral, depois das trágicas experiências da 2ª Guerra Mundial, a Igreja toma consciência da urgência de repropor ao mundo abalado pela destruição totalitária do nazismo alemão, um cristianismo mais sensível e acolhedor ao mundo contemporâneo. Contudo, a eleição do papa João XXIII frustrou as expectativas de quem esperava um papa jovem e reformador. O próprio dom Jaime, em uma conferência proferida em 2005, no Seminário Paulo VI, em Londrina, afirmava que, “um Bispo, meu amigo, ao saber da eleição do Cardeal Roncalli, 78 anos de idade, para o Pontificado, decepcionou-se. Ele dizia: ‘pena ter sido eleito um Papa velho, ancião; eu esperava uma abertura na Igreja,’ pois já se falava na possibilidade da convocação de um Concílio Ecumênico por Pio XII”.  A frustração logo deu lugar à novidade do papa velho em convocar um concílio. 

Nos tempos preparatórios do concílio a recém-criada diocese de Maringá dava seus primeiros passos. Em Maringá tudo era absolutamente novo: uma cidade jovem, um bispo jovem e a novidade da realidade concreta de um concílio renovador. Dom Jaime participou das quatro sessões do concílio em Roma e, sendo ele um dos Padres Conciliares mais jovens num universo de cerca de 2.500 Padres, foi uma oportunidade única de refazer seu paradigma eclesiológico da Igreja. O próprio dom Jaime em dada ocasião, informalmente, relatou: “Fizemos um novo curso de teologia”, em referência às tantas conferências e debates teológicos sobre o presente e futuro da Igreja. Dom Jaime não teve uma participação determinante no concílio, nunca fez uso da palavra na aula-conciliar, embora pudesse se inscrever como orador. Os cardeais tinham a precedência na exposição dos temas e, dom Jaime, assim como a grande maioria do episcopado brasileiro – cerca de 200 Padres brasileiros – se fazia representar pelos cardeais do Brasil, ou mesmo algum bispo mais ativo. Ao consultar a documentação do concílio encontram-se as moções de apoio que dom Jaime aderiu com sua assinatura e que eram apresentadas em plenário por cardeais e outros bispos, entre eles dom Hélder Câmara. Um fato curioso de dom Jaime encontrado na documentação recentemente disponível e publicada pela Santa Sé é a resposta feita por ele à carta-consulta do papa João XXIII pedindo aos bispos do mundo inteiro temas a serem abordados no concílio. A carta-resposta de dom Jaime, datada em 20 de dezembro de 1959, entre dez itens que sugere ao papa, um se destaca de modo um tanto quanto curioso. Dom Jaime sugere ao papa que o concílio institua diáconos e diaconisas. Sugestão um tanto quanto paradoxal e de difícil interpretação para os historiadores, pois o mesmo, posteriormente à aplicação do concilio na diocese, sequer permitia o diaconato permanente de homens casados, quanto mais o diaconato para mulheres. Talvez dom Jaime quisesse dentro da sensibilidade de acolhida e abertura às novas realidades do mundo contemporâneo valorizar a mulher na Igreja, naquilo que hoje se denomina de Ministra da Eucaristia. Contudo, o documento é bastante contundente e categórico. Eu tive a oportunidade de dar-lhe uma cópia desta carta e inferir-lhe a provocação das razões desta inusitada sugestão. Sua resposta dizia: “Eu costumava acatar a sugestão dos padres”.


Conclusão:

Enfim, a compreensão e interpretação do episcopado de dom Jaime Luiz Coelho ainda está por ser estudada e descoberta. A história é dinâmica e, de acordo com a pesquisa documental, novas leituras e compreensões serão acrescentadas e reescritas a este homem que marcou profundamente a história da Igreja de Maringá. Por isso, na comemoração do centenário do seu nascimento é uma oportunidade de revisitá-lo no intuito de buscar entender por que a arquidiocese de Maringá se comporta deste modo e não de outro. A resposta certamente baterá às portas deste importante bispo!



Pe. Marcos Roberto Almeida dos Santos

Doutorando em História da Igreja

E-mail: mralmeidas19@hotmail.com