Reflexão: Liturgia do XVIII Domingo do Tempo Comum, ano C – 31/07/2022

27 de Julho de 2022

"Reflexão: Liturgia do XVIII Domingo do Tempo Comum, ano C – 31/07/2022"

Tudo passa, só Deus permanece

Na Liturgia deste Domingo, XVIII do Tempo Comum, veremos, na 1a Leitura (Ecl 1,2; 2,21-23), que o mais importante para o ser humano é viver bem, com segurança, paz, isto é, viver feliz; mas viver feliz é, também, poder usufruir dos frutos do trabalho. No séc. IV a.C., a Palestina era colônia do Império Grego que explorava o povo em todos os sentidos: culturais, religiosos, econômicos etc. Em meio a este contexto, o autor busca dar um sentido para a vida. É um livro crítico desta realidade, pois, neste sistema, as pessoas são robôs, peças de engrenagem que as devoram.  Examinando a situação em que o povo vive, a conclusão é que tudo é frágil e passageiro e, neste sentido, o perigo seria perder o sentido das coisas. Se a vida é isso, monótona, o sentido seria só trabalho, dinheiro, padecer e morrer, ou, em outras palavras, levar vida instintiva: comer, beber, reproduzir-se e morrer. Vendo a realidade da situação insuportável em que viviam as pessoas, o autor questiona se tudo isso tem sentido: "Vaidade das vaidades, tudo é vaidade". Então, ele aponta a direção de onde está a verdadeira felicidade: em Deus.

Na 2ª Leitura (Cl 3, 1-5.9-11), o apóstolo Paulo nos diz que todas as nossas ações ganham novo sentido a partir da vida nova trazida por Jesus. “Buscai as coisas do alto”, pois só quando valorizamos a eternidade é que vivemos melhor aqui na terra, nos motivamos a agir, conforme o projeto de Deus. A vida melhor não será só na eternidade, o céu já será antecipado nesta vida: “Quando Cristo, vossa vida, aparecer em seu triunfo, então vós aparecereis também com ele, revestidos de glória”. Ele afirma que, quando nos revestimos do ‘Homem Novo’, já estamos participando da Glória de Deus e a Glória de Deus são todas as pessoas plenas de vida. No Batismo, quando tocados pela veste branca, estamos nos revestindo dos atributos divinos: beleza, bondade, paz e da verdadeira alegria.

No Evangelho (Lc 12, 13-21), Jesus nos ensina a perceber que a vida e a felicidade não resultam da riqueza material, mas são dons de Deus. Senão os ricos não ficariam doentes, não morreriam, não sofreriam e os pobres nunca seriam felizes, mas, ao contrário, muitos vivem sorrindo, dançando, brincando. Na parábola do Evangelho, Jesus nos ensina a buscar o que vale mais. E o que vale mais é o bem maior, o bem comum, não a acumulação, esta, muitas vezes, resultado do empobrecimento e exploração de muitos. Neste sentido, as grandes fortunas são frutos de roubos, às vezes até legais, frente à imensa miséria de muitos povos: “Ninguém achou aquilo que o outro não perdeu” (São Jerônimo).

Jesus insiste que Deus é a verdadeira riqueza, Nele, devemos firmar nossas vidas: “Onde está o teu tesouro, aí estará teu coração”, ou, ainda: “Não se pode servir a dois senhores”.

Outro fato importante que aprendemos neste Evangelho é que ninguém pode transferir para Deus aquilo que é de sua responsabilidade: “Mestre, dize ao meu irmão que reparta a herança comigo”. Devemos esperar que Jesus fizesse a distribuição? Jesus acrescenta que, na não partilha, esconde-se a ganância e a perda de sentido para a vida. É mais difícil e arriscado pregar contra a ganância e a riqueza do que a respeito da pobreza. Mas, para Jesus, o rico também é chamado a colaborar com a libertação dos pobres e, ao mesmo tempo, também, com a sua própria libertação. Quando o rico é possuído (perde a identidade) pelas coisas, o outro se torna um concorrente a superar, eliminar, exemplo disso são as divisões nas famílias quando da repartição de heranças. Talvez coubesse bem uma meditação sobre a morte para libertar a pessoa da ilusão do ter, pois, geralmente, a morte sela o que foram as opções em vida: em comunhão ou não com Deus. O rico do Evangelho foi chamado de louco, pois não pensou nos outros, mas somente em acumular, quem sabe à custa dos outros, ele alimentou somente a vida da matéria: comer, beber, descansar. Foi grande só para si mesmo e pobre para Deus. Ser rico para Deus “é buscar o Reino de Deus em primeiro lugar e sua justiça”, as outras coisas certamente virão por acréscimos. Deus é a nossa salvação, nossa segurança em quaisquer condições. Tudo passa, só Deus permanece.

Sabedoria Indígena

Coloco, a seguir, transcrição de um diálogo de Jean de Léry, missionário calvinista francês que viveu entre os Tupinambá do Rio de Janeiro, com um nativo do território brasileiro, ocorrido no século XVI, que consta em sua obra História de uma viagem à terra do Brasil, originalmente publicado em 1578. O texto mostra claramente o que o indígena pensa das riquezas, a conversa com o índio, lá no século XVI, demonstra a sabedoria indígena que ainda hoje continua sendo passada de geração em geração. O que é mais importante para um ser humano? Ter muito dinheiro? Será que o dinheiro é tudo? Será que, por causa do dinheiro, vale a pena passar por cima de tudo e de todos?

Segue trecho deste diálogo:

“Uma vez, um velho índio me perguntou:

- Por que vocês, mair e peró (franceses e portugueses), vêm buscar lenha de tão longe para se aquecer? Vocês não têm madeira em sua terra?

Respondi que tínhamos muitas, mas não daquela qualidade, e que não a queimávamos, como ele pensava, mas dela tirávamos tinta para tingir.

- E vocês precisam de muita? Perguntou o velho imediatamente.

Sim, contestei-lhe, pois em nosso país existem negociantes que possuem panos, facas, tesouras, espelhos, e outras mercadorias que vocês nem imaginam e um só deles compra todo o pau-brasil que vocês têm, voltando com muitos navios carregados.

- Há! Retrucou o selvagem, mas esse homem tão rico, de que me fala, não morre?

Sim, disse eu, como os outros.

- E quando morre, para quem fica o que deixa?

Para seus filhos, se ele tem, ou para seus irmãos ou parentes próximos, respondi.

Na verdade, continuou o velho índio, que como se vê não era nenhum ignorante.

- Vejo que vocês mair, são uns grandes loucos, pois atravessam o mar e sofrem grandes problemas, como dizem quando aqui chegam. E no fim trabalham tanto para amontoar riquezas para seus filhos e parentes. A terra que os alimentou não será capaz de alimentá-los também? Temos pais e mães e filhos a quem amamos. Mas estamos certos de que, depois de nossa morte, a terra que nos sustentou os sustentará também, e por isso descansamos sem maiores preocupações”.

Boa reflexão e que possamos produzir muitos frutos para o Reino de Deus.


Pe. Leomar Antonio Montagna

Presbítero da Arquidiocese de Maringá – PR

Pároco da Paróquia Nossa Senhora das Graças, Sarandi – PR