Vivências sobre a oração - Catequese com o Arcebispo, 2º Encontro 14/10/2024

16 de Outubro de 2024

Vivências sobre a oração - Catequese com o Arcebispo, 2º Encontro 14/10/2024

Rezar com os Salmos


O jubileu de Nosso Senhor Jesus Cristo, o Ano Santo, mergulhemos dentro de nós mesmos e descubramos a alegria de Deus. O grande pensador e fiel francês do século XVII, Blaise Pascal, admoestava: “Os filósofos antigos diziam: Adentrai-vos em vós mesmos! É ali que encontrareis a vossa tranquilidade. Mas isso não é verdade! Outros dizem: Saí! Buscai a verdade divertindo-vos! Mas isso também não procede. A felicidade não está nem dentro nem fora de nós. Está em Deus, e por isso estará fora e dentro de nós. Eis o convite para entrarmos no Ano Jubilar tendo por entre as mãos o Saltério, o livro bíblico destinado por excelência à pausa orante e ao silêncio contemplativo. É um guia para cantar a Deus com arte através dos Salmos. Como dizia Santo Agostinho, “a grande obra dos homens é aquela de louvar a Deus (Magnum opus hominum laudare Deum). (14).

Mas há um segundo ato que floresce a partir da oração: “um ano da graça do Senhor”. Já no antigo Israel, era o momento da libertação dos escravos. É isso que Jesus sugeria no seu sermão na sinagoga no vilarejo de Nazaré ao citar o profeta Isaías. A oração, o canto a liturgia não nos encerram em um oásis sacro em meio a incensos, velas e ritos, mas nos chamam a percorrer as praças e a história. Eis as palavras de Cristo: “O Espírito do Senhor está sobre mim, pois ele me ungiu para anunciar o Evangelho aos pobres: enviou-me para proclamar a liberdade aos presos e, aos cegos, a visão; para pôr em liberdade os oprimidos e proclamar um ano do agrado do Senhor” (Lc 4,18-19; Is 61,1-2).

É o combate para manter nossos passos longe dos sentimentos maus, da agressividade, do ódio e da injustiça, para fortalecer os caminhos do amor e da solidariedade, que conduzem ao reconhecimento da face de Cristo nos irmãos e nas irmãs sofredores e marginalizados. Os Salmos, realmente não incentivam o orante a se afastar das realidades cotidianas em direção a céus místicos, mas sim que percorre a estrada da história, também a pedregosa, e viva fé no dia festivo, mas também na noite tenebrosa da provação.

O Saltério inicia seu cântico sobre a agitação da existência social, as obras de cada dia, os risos e as lágrimas, os dramas pessoais e as tragédias nacionais. Sempre, todavia, com uma certeza: ainda que “meu pai e minha mãe me tenham abandonado, o Senhor, porém, me acolheu” (Sl 27,10). (14).

Os antigos, acertadamente, diziam que rezar é respirar. Os Salmos, que, por excelência, são a oração de Israel e da Igreja, envolvem no louvor de Deus todas as criaturas, desde os animais até os astros do céu.

Antes de entrar na mística dos Salmos, é importante olhar para o imenso horizonte que se alarga em todo nosso planeta e se amplia ao longo dos séculos. É o mundo da oração das suas diversas formas segundo as diversas religiões e, por vezes, de modo inesperado, até mesmo entre os que não creem, os quais lançam um grito ou uma invocação em direção ao céu, para eles vazio de divindade. (18).

A natureza dos Salmos invoca as mais diversas situações e âmbitos da vida e da natureza humana. Destacamos por exemplo a violência, o espectro das cores, com uma dimensão mais fria, assinalada pela dor, pelas lágrimas, pelo vazio silêncio de um Deus que parece ausente, ao qual, porém, grita-se. É a súplica ou lamentação, que frequentemente se desenrola segundo uma trama também documentada nos Salmos: ao presente amargo, opõe-se o passado, mas se projeta um futuro da desejada libertação. Ao “eu” do orante, opõe-se o “outro” que é mau, comumente personificado no inimigo, e, ao fim, invoca-se a irrupção de um “Outro” supremo, o Deus salvador. (19).

O adversário, porém, talvez não esteja fora de nós, concretizado na hostilidade, na doença ou na provação, mas em nosso interior, em nossa alma e em nossa vida. É o pecado.

Erguem-se a Deus, então os pedidos de perdão, a confissão das próprias culpas; reconhece-se a justiça de Deus e se confia à sua bondade misericordiosa.

Rezamos com frequência a potência espiritual e poética que tem o Salmo 51, chamado pela primeira palavra da versão latina litúrgica de Miserere. A súplica tem diversas nuances, e o próprio Jesus exortou que a usássemos como chave para abrir a porta do coração de Deus: “Pedi e vos será dado, procurai e encontrareis, batei e a porta vos será aberta” (Mt 7,7). “Porque tudo o que pedirdes ao Pai em meu nome, ele vos dará” (Jo 15,16).

Afirmava Santo Agostinho: “Ó, meu Saltério, minha alegria”, ao comentar o Salmo 138. Eis a voz que ressoa no povo fiel veterotestamentário e nós continuadores da tradição bíblica, também rezamos. Os Salmos são expressão da fé secular do povo de Deus em várias épocas de sua história. Por isso, é incisiva a imagem usada por São Jerônimo, o tradutor da Bíblia para o latim, quando comparava o Saltério a um edifício em que se acessa não apenas com a grande chave da porta principal, isto é, o Espírito Santo inspirador, mas também com uma série de chaves específicas para cada cômodo particular, ou seja, para cada Salmo. (24).

Os Salmos são poesias para serem cantadas e acompanhadas musicalmente na liturgia, são orações corais para serem seguidas sob a liturgia, são orações corais para serem seguidas sob a condução de melodias pré-estabelecidas, como frequentemente é indicado nos títulos inseridos no início de muitas composições do Saltério. (25).

Os Salmos  abordam posteriormente temas ligados à existência humana, aos períodos de luto e de festa, à política e aos afetos íntimos; o rumor das estradas e da cidade se atenua, mas não cessa, como se tivéssemos sido introduzidos em um eremitério silencioso onde tudo se cala e é esquecido. Esses textos, que envolvem um arco de quase mil anos da história de Israel, não são apenas um modelo de oração, mas também de vida.

Os Salmos são, por isso, o espelho daqueles que buscam a Deus com coração sincero no interior de suas histórias. (26).

Sugiro que, na medida do possível, aprofundem a meditação sobre os Salmos utilizando o subsídio: Rezar com os Salmos, de Gianfranco Ravasi. Ali tem os blocos temáticos para meditar conforme as situações humanas históricas.

Fica aí a sugestão e continuemos nossa preparação para o Ano Jubilar, Peregrinos da Esperança.

Assista a celebração completa.