Reis Magos, homens de diálogo em busca da verdade

06 de Janeiro de 2015

Reis Magos, homens de diálogo em busca da verdade

imagem Reis Magos, homens de diálogo em busca da verdade

No Magistério do Papa Bento XVI e  em seu livro sobre a infância de Jesus encontramos reflexões extraordinárias sobre os magos do Oriente que foram adorar o Senhor recém-nascido. Esses personagens foram verdadeiros peregrinos na fé e podem ser luzes para o nosso caminho. As reflexões do Papa sobre os magos são muito ricas e aqui queremos nos centrar num ponto: eles eram verdadeiros homens de diálogo e por esse meio chegaram a conhecer e a anunciar Jesus Cristo.

Certamente, em primeiro lugar nos vêm à mente o diálogo deles com os líderes de Israel em Jerusalém, quando a estrela que os guiava momentaneamente se ocultou. Imaginemos a grande surpresa que tiveram ao saber que no palácio real não havia ninguém que estivesse para dar à luz. Então os sacerdotes e escribas, conhecedores das Sagradas Escrituras, disseram-lhes que o rei dos judeus deveria nascer na desconhecida Belém, a “cidade do pão”. Aqueles homens buscaram o rei dos judeus no lugar justo e, não o encontrado, deixaram-se conduzir pelo diálogo com os sábios. E isso lhes levaria ao encontro de Cristo.

Mas mesmo antes dessa cena o diálogo era o que guiava a vida daqueles homens. A Bíblia nos diz que eles eram homens de fé e também de ciência. Provavelmente eram astrônomos orientais, que observavam as estrelas procurando ler nelas os sinais de Deus. Utilizavam a própria razão na busca do Criador. Na alma deles essas duas capacidades humanas, fé e razão, estavam sempre em diálogo, em busca de uma perfeita harmonia.

O Papa Bento XVI no seu livro diz que esses eram homens que tinham uma grande inquietação interior que os levou a sair de si mesmos. Eles eram o que na Antiguidade se chamava “filósofos”, ou seja, pessoas que buscavam a verdadeira sabedoria por todos os caminhos possíveis: a obra da criação, o saber científico, a filosofia, as religiões. O que o coração deles realmente desejava era a sabedoria: explicar o porquê do mundo e encontrar um sentido para a própria vida. E, buscando a sabedoria, eles seguiam o caminho aberto por Sócrates que, através do diálogo, procurava responder a pergunta sobre o que é o homem, indo além das religiões oficiais.

Os reis magos seguiram a estrada de Sócrates, ou seja, utilizaram a própria razão para procurar as respostas fundamentais sobre o mundo e a vida por meio do dialógo. A razão humana (logos) é, de fato, uma potência para o encontro com os outros, algo que une o que estava separado: dia-logos.

Num discurso à Universidade Sapienza de Roma em 2008, o Papa disse que a pergunta socrática sobre o homem foi o impulso que deu origem à Universidade ocidental, na qual se buscava harmonizar fé e a razão. De fato, é extraordinário pensar que o método de ensino naquelas instituições era o mesmo método socrático: o diálogo. Esses eram posteriormente transcritos, em forma de questões (quaestio), dando origem às chamadasSumas e Questões disputadas. Naqueles textos, que hoje podem parecer frios, estava condensado o ideal socrático: descobrir a verdade sobre Deus, sobre o mundo e sobre o homem, por meio do diálogo. E participavam do diálogo não só os ensinamentos bíblicos, dos Padres da Igreja e doutores eclesiásticos, mas também os filósofos gregos, judeus e muçulmanos. Todos participavam no diálogo cultural com o único objetivo de conhecer e dar a conhecer a verdade.

Atualmente há quem diga que o monoteísmo é uma ameaça à paz mundial, porque a pretensão de haver uma verdade absoluta levaria à intolerância para com quem não professa a mesma fé e destruiria a possibilidade do diálogo, o que evidentemente é um absurdo, também desde o ponto de vista histórico.

Certa vez o Papa lembrou-nos uma afirmação de São Tiago: «Sois gerados por meio de uma palavra de verdade» (1,18). E dizia que hoje a ideia de verdade e de intolerância estão quase completamente fundidas entre si, de modo que não ousamos mais crer ou falar da verdade. Essa deve parecer sempre como algo distante, a qual é melhor não recorrer. Por isso, ninguém poderia dizer: «tenho a verdade». E o Papa dizia que é justo que ninguém pode dizer que tem a verdade, porque a verdade é algo vivo, é uma pessoa, e é ela que nos possui. Não somos os seus detentores, mas seus servidores, na medida em que somos atraídos por ela. Assim como devemos aprender a esse «não-ter-a-verdade», os pais devem aprender a não dizer: «tenho filhos»; pois os filhos não são uma posse, mas um dom, uma dádiva de Deus e uma tarefa.

Os magos buscaram a verdade, seguindo o caminho do diálogo, que era o mesmo de Sócrates e também de Abraão, que, ao ser interpelado por Deus, saiu de sua pátria, de si mesmo, o que implica sacrifícios. Para os magos, a peregrinação exterior terminou no encontro com o Rei dos judeus que nasceu como uma pobre criança e aí iniciava uma nova peregrinação para eles: aquela Revelação da verdade de Deus era uma luz nova que lhes abria horizontes novos de existência e que devia ser comunicada.

Portanto, pode-se conhecer a verdade sobre Deus, sobre a fé, sem que essa verdade seja total, mas uma luz nova que guia a nossa vida e que vai aos poucos iluminando nossa existência. Conhecer a verdade não significa possuí-la totalmente e muito menos querer impô-la. Mas é o início de uma nova estrada que nos ilumina e pode iluminar, por meio do diálogo, a quem tem o coração inquieto. «O novo Rei, diante do qual se tinham prostrado em adoração, diferenciava-se muito da expectativa deles. Começou assim o seu caminho interior. Começou no mesmo momento em que se prostraram diante deste menino e o reconheceram como o Rei prometido. Mas eles ainda tinham que alcançar interiormente estes gestos jubilosos. Deviam mudar a ideia que tinham acerca do poder, de Deus e do homem e, fazendo isto, deviam também eles mesmos mudar».

Trecho do artigo de * Pe. Anderson Alves, sacerdote da diocese de Petrópolis – Brasil. Doutorando em Filosofia na Pontificia Università della Santa Croce em Roma.

Fonte: zenit.org