Reflexão litúrgica: segunda-feira, 04/09/2023 – 22ª Semana do Tempo Comum

03 de Setembro de 2023

"Reflexão litúrgica: segunda-feira, 04/09/2023 – 22ª Semana do Tempo Comum"

“JESUS, PASSANDO PELO MEIO DELES, CONTINUOU O SEU CAMINHO” (Lc 4,30) 

Na Liturgia desta segunda-feira da XXII Semana do Tempo Comum, na 1ª Leitura (1Ts 4,13-18), o apóstolo Paulo esclarece aos tessalonicenses que, diante da morte de alguns membros da comunidade, ficavam em dúvida sobre a salvação em Cristo, pois viviam na expectativa de estarem todos vivos para o dia da vinda do Senhor. Paulo os anima, explicando-lhes três pontos: 1°) O cristão não pode ser, diante da morte, como os pagãos que não têm esperança; 2°) Se cremos que Jesus ressuscitou, devemos, também, crer que os mortos ressuscitarão e estarão com o Senhor; 3°) Na vinda do Senhor, nos encontraremos todos juntos: os vivos e os que já morreram. 

No Evangelho (Lc 4,16-30), vemos que as pessoas que parecem conhecer Jesus, sabem muito pouco D’ele, estão fechados para a encarnação: “Não é o filho de Maria? Do carpinteiro...”. Querem um Jesus ‘espetacular’, não aceitam que uma pessoa do meio deles seja capaz de mudar a história. Julgam pelas aparências. 

Nos evangelhos, é da prática de Jesus e de suas atitudes que decorrem os critérios éticos para a ação do cristão. Jesus fez opção clara pelos excluídos do sistema: as mulheres, os estrangeiros, as prostitutas... Combate abertamente os males que estragam a vida humana: fome, doença, opressão, ignorância... Enfrenta os detentores do poder político: chama Herodes de raposa e contesta a arrogância de Pilatos. Propõe uma nova ordem, caracterizada por uma nova visão das coisas que revoluciona o sistema vigente. Apresenta uma nova concepção de poder (Mt 20,24ss); a lei a serviço do ser humano (Mc 2,27); dessacraliza o poder político (Lc 20,25). Enfim, mostra que as relações das pessoas entre si, da pessoa com o trabalho e com o mundo deve ser de igualdade, em que o bem comum e a dignidade da pessoa humana estejam em primeiro plano. 

Talvez Jesus tenha sido rejeitado na sinagoga e no templo porque trouxe ao centro da celebração pessoas que os ‘donos da memória’ haviam esquecido, tornando-se, assim, ‘donos do esquecimento’. Jesus lembra aos donos da memória esquecimentos típicos: os pobres, a mulher, os excluídos etc. 

“Em contraste com as outras religiões, o judaísmo e o cristianismo são, por excelência, religiões da memória, fundamentadas na recordação de fatos históricos que ficam rememorados ao longo dos tempos. O Cristianismo herdou do judaísmo seu caráter memorial só que ele centrou sua memória na encarnação, vida, paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo, o Libertador não só do Egito – como fora Moisés, mas de todas as formas de dominação. 

O sistema religioso baseado na proliferação de sinagogas numa vasta diáspora apresentava neste ponto vantagens diante do sistema centralizado em torno do templo de Jerusalém, por arquivos e escritos, no qual havia o perigo de os “donos da memória” se tornarem “donos do esquecimento”, isto é, no qual os compromissos dos detentores do poder do templo com os donos do poder na sociedade como um todo podiam comprometer a fidelidade da transmissão de uma memória tão perigosa como era a da libertação da escravidão e do poderio de uma potência estrangeira. Os sacerdotes do templo podiam se lembrar de alguma coisa, mas se esquecerem de muitas outras. 

Jesus reagiu contra esquecimentos típicos por parte dos detentores do poder religioso: os silêncios em torno da mulher, do samaritano, do centurião, da prostituta, do estrangeiro, do publicano, dos pobres e marginalizados. Jesus declarou em alta voz que eles existem, que estão por aí e que vivemos no meio deles. Os esquecidos na memória social manipulada pelo templo foram os lembrados por Jesus. Estas lembranças são lidas e rememoradas pelos apóstolos nos serviços dominicais das comunidades e recebem, no segundo século, o nome de evangelhos.” (cf. HOORNAERT, Eduardo. A Memória do Povo Cristão. Coleção Teologia e Libertação, Vozes: Petrópolis, 1986, p. 16-25). 

Para ser coerente com a mensagem profética e libertadora do Evangelho, a Igreja não pode deixar de denunciar situações e estruturas iníquas. Deve colocar-se prioritariamente ao lado dos pobres, oprimidos, e participar, dentro de suas condições específicas, da construção de uma nova sociedade. 

Como Jesus enfrenta a falta de fé dos seus conterrâneos que reagem furiosos? “Todos na sinagoga ficaram furiosos”. Jesus não perde tempo com o descrédito imputado a Ele: “Passando pelo meio deles, continuou o seu caminho”. Aqui fica a questão: Era Jesus que tinha que se reduzir ao tamanho das pequenas ‘cabecinhas’ deles, ou eles que deveriam deixar de ser ‘analfabetos’ quanto à Doutrina Social e se aprofundar mais, conhecer mais o projeto do Reino e crescer no compromisso de uma fé cidadã? 

O Papa São João Paulo II, em sua Mensagem para a Quaresma de 1995, dizia: “A Praga do analfabetismo contribui para manter as condições de miséria. Para ele a maior crise não é econômica, a crise é ética, é de ideias, de valores, de conhecimento. A fome de instrução não é menos deprimente que a fome de alimentos: um analfabeto é um espírito subalimentado”. 

É urgente que sintamos o compromisso de construirmos uma ‘fé cidadã’. Os cristãos jamais podem abdicar da sua missão de influenciar a vida social e pública com seus valores humanos, éticos e evangélicos, sempre em vista da sociedade ideal e justa. 


Boa reflexão e que possamos produzir muitos frutos para o Reino de Deus. 


Pe. Leomar Antonio Montagna 

Presbítero da Arquidiocese de Maringá - PR 

Pároco da Paróquia Nossa Senhora das Graças, Sarandi - PR