Opinião: Liberdade de expressão, um direito de todos os grupos sociais – Todos!

28 de Julho de 2015

Opinião: Liberdade de expressão, um direito de todos os grupos sociais – Todos!

imagem Opinião: Liberdade de expressão, um direito de todos os grupos sociais – Todos!

 

Passamos por um momento em que todos querem e exigem ser ouvidos, mas ao exercer este direito percebe-se que, muitas vezes, é dado mais valor em querer fazer o outro se calar do que derrubar, por meio de bons argumentos, aquilo que motivou a vontade inicial de se manifestar. A superficialidade das discussões nos apresenta um repertório de opiniões sem fundamento quando simplesmente não se concorda com o que foi dito, mas não se tem razões concretas para contra-atacar aquela opinião; entretanto, mesmo sem argumentos contrários, o outro não pode mais se manifestar.

Nesta linha de pensamento, há uma forte tentativa de se fazer calar a opinião de grupos religiosos a partir da flamulante bandeira do Estado laico, como se a não adoção de uma religião oficial pelo Estado fosse fundamento para que tais grupos sociais não possam manifestar suas opiniões como qualquer outro grupo. Por isso, há que se compreender bem este conceito.

No artigo 5º da Constituição de 1824 encontrava-se a disposição de que “a religião Catholica Apostólica Romana continuará a ser a Religião do Império. Todas as outras religiões serão permitidas com seu culto doméstico, ou particular em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior de Templo”. Entretanto, desde a Constituição de 1891 já há a determinação de que o Estado brasileiro é laico, ou seja, sem religião oficial e sem princípios religiosos que devam ser obrigatoriamente seguidos pelo mesmo: “Art. 72 §3º) Todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer pública e livremente o seu culto, associando-se para esse fim e adquirindo bens, observadas as disposições do direito comum.”

No mesmo sentido, o artigo 5º, inciso VI da CF/88 trouxe que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.

Note-se bem que a intenção do texto constitucional é justamente dar ao cidadão brasileiro a liberdade de crença e culto, podendo este nortear sua vida pessoal, profissional, a educação de seus filhos por aquilo que, nessa liberdade, ele acredita ser o correto na dimensão espiritual.

Neste sentido, como bem salienta Celso Ribeiro Bastos, a religião não pode, da mesma maneira que acontece com as demais liberdades de pensamento, somente ser vista a partir de sua dimensão espiritual; a religião vai procurar necessariamente uma forma de externação[i]. Pensar que o culto se limita somente às paredes do templo é realmente desconhecer a natureza das religiões, que em sua maioria exigem que aquilo que é pregado e pactuado no ato litúrgico seja convertido em ações no “mundo externo” por parte do fiel. Não há outro entendimento neste caso; se o texto constitucional não for interpretado desta maneira, acabamos por retornar à Constituição Imperial onde havia a liberdade de crença, mas não a liberdade de culto.

Neste sentido já trazia Pontes de Miranda em seus “Comentários à Constituição de 1946”, que “culto é a forma exterior da religião”[ii], chegando J. Cretella Jr. a afirmar que “Na realidade, não há religião sem culto, porque as crenças não constituem, por si mesmo uma religião. Se não existe culto ou ritual correspondente à crença, pode haver posição contemplativa, filosófica, jamais religião”[iii].

Desta maneira, fica claro que o texto constitucional, ao assegurar a liberdade de crença e culto traz consigo a possibilidade de o fiel, enquanto cidadão, poder sustentar ou ver sustentadas suas opiniões sobre qualquer assunto conforme os princípios religiosos que ele mesmo escolheu e cultua. Consequentemente, em nenhum momento, o texto constitucional limita essa manifestação ao caráter singular, podendo o cidadão se unir com outros que pensam da mesma maneira para fazer ouvir aquilo que ele tenha como certo.

Portanto, retomando Celso Bastos “as igrejas funcionam sob o manto da personalidade jurídica que lhes é conferida nos termos da lei civil” e sua opinião, deve ser respeitada justamente por força do inciso VI do artigo 5º. da Constituição Federal, e não ao contrário, como muitas vezes se expõe. Real afronta à Constituição seria não ouvir sua opinião – seja manifestada por um único fiel, seja manifestada por um órgão ou associação que a represente – alegando a natureza laica do Estado, menosprezando um grupo social tendo por conta sua natureza religiosa.

Alexandre de Moraes salienta que “a abrangência do preceito constitucional é ampla, pois, sendo a religião o complexo de princípios que dirigem os pensamentos, ações e adoração do homem para com Deus, acaba por compreender a crença, o dogma, a moral a liturgia e o culto. O constrangimento à pessoa humana, de forma a constrangê-lo a renunciar sua fé, representa o desrespeito à diversidade democrática de ideias, filosofias e à própria diversidade espiritual”[iv].

Desta forma, a liberdade de expressão com bons frutos a serem colhidos de sua garantia, não deve caminhar para, ao ouvir um grupo, tentar calar o outro, mas sim para o exercício da saudável discussão na tentativa de se alcançar aquilo leve a sociedade ao bem. Não concordar com algo, seja de uma parte ou de outra, não deverá nunca, entretanto, culminar em ações que afrontem o Direito ou levem a agressões, pois mesmo a liberdade religiosa, assim como as demais liberdades públicas, não atinge grau absoluto, não sendo, pois, permitido a qualquer religião ou culto atos atentatórios à lei, sob pena de responsabilização civil e criminal[v].

Infelizmente, a análise dos argumentos ainda não é o que mais motiva o nosso legislativo, que escolhe muito mais pela força política do grupo ou pelo modo como a reclamação ou reivindicação é apresentada na mídia. Cabe a nós, como juristas, primar pelo alto padrão dessas discussões, pois, de outra forma, seja pelas infundadas opiniões da maioria ou da minoria quem sofre é o povo.

 

 

Marcus Geandré Nakano Ramiro

Advogado. Mestre e Doutorando em Filosofia do Direito pela PUCSP. Professor e Coordenador do Curso de Direito da PUCPR Maringá.

 

Artigo publicado pela OAB Maringá

[i] BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 50.

[ii] MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1946, 2ª. ed., v. IV, p. 173.

[iii] CRETELA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1992.

[iv] MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. São Paulo: Atlas, 2002. p. 214.

[v] Ibid. p. 2016.