Igreja Católica e Inteligência Artificial

11 de Setembro de 2023

Igreja Católica e Inteligência Artificial

A Inteligência Artificial (IA) está presente no nosso dia a dia e às vezes nem nos damos  conta. Desde as máquinas presentes nas indústrias, no aplicativo de estacionamento até na rede social. Mas, afinal, o que é a IA? É um avanço tecnológico que permite que sistemas simulem uma inteligência similar à humana, indo além das programações específicas para tomar decisões de forma autônoma, baseada em padrões de enormes bancos de dados. 

Segundo o professor e pesquisador Moisés Sbardelotto, a IA ganhou mais destaque nos últimos tempos por causa do ChatGPT, mas desde a década de 1950, vem se tornando uma realidade. “A IA, de forma mais concreta, está presente nos campos da medicina, entretenimento, educação e jurídico, entre outros, tendo mais força no campo do entretenimento, nas redes sociais e nas plataformas de streaming, como a Netflix, Facebook e Instagram. 

Todas elas utilizam o sistema de IA para nos retornar um conteúdo mais condizente, vamos dizer assim, com nossas personalidades, com o nosso modo de uso. Obviamente, não tem uma pessoa atrás do Facebook nos indicando as postagens que chegam até nós, assim como nas indicações de filme por meio da Netflix. Essas pré-escolhas são feitas por meio de sistemas de IA”. 

A jornalista e pesquisadora irmã Joana T. Puntel acrescenta que a evolução está muito rápida e que precisa da nossa atenção. Ela ainda diz: “certa vez perguntaram ao ChatGPT se antes de responder uma pergunta ele faria um discernimento sobre o que melhor deveria escrever. Ele explicou que, como um modelo de IA, não tem a capacidade de decidir ou discernir o que seria melhor escrever. Respondeu que funciona seguindo um algoritmo de compreensão automático que consente gerar respostas às perguntas baseando sobre dados dos quais foi habilitado, não tendo consciência de avaliar o bem e o mal”.


POSIÇÃO DA IGREJA

Com o pontificado do Papa Francisco a pauta sobre IA tem ganhado destaque. “Diria que esse tema ganha mais força com o Papa Francisco porque ele acompanhou esse desenvolvimento mais intenso da IA. E, sem dúvida, a partir do ensino social da Igreja, acho que tem três pilares fundamentais que são: a dignidade da pessoa, o bem comum e a casa comum”, afirma o professor. 

E explica cada um dos pilares: “a Igreja defende que todo desenvolvimento tecnológico precisa respeitar a dignidade de cada ser humano. A gente sabe também que na questão de IA têm muitos sistemas que não respeitam a privacidade dos nossos dados, que geram discriminação e preconceitos.
Também como essas tecnologias vão favorecer o bom relacionamento entre os vários setores da sociedade, a Igreja sempre defende o pilar do bem comum, o bem de todos, tem de ser resguardado pelo desenvolvimento tecnológico. 

E, além disso, do ponto de vista da casa comum, esses sistemas consomem muita energia elétrica para manutenção de seus equipamentos, os sistemas de IA dependem de grandes bancos de dados. Hoje em dia, tem alguns estudos que apontam que a indústria digital, desde a produção dos equipamentos, celular até mesmo o sistema mais avançado, é uma das mais poluentes do planeta. Então é preciso pensar esse sistema também à luz da casa comum”. 

A Igreja vem se preocupando com o uso da IA e, com isso, pede cautela da sociedade. “O Papa Francisco vem chamando a atenção que todo o avanço da IA deve estar a serviço do ser humano. Recentemente, no Vaticano, por meio da Pontifícia Academia para a Vida – pro-vita - ele reuniu grandes empresas, como Microsoft, IBM, representantes da sociedade civil organizada, representantes das religiões muçulmana e judaica para assinar uma carta de princípios éticos para o desenvolvimento da tecnologia da IA”, ressalta irmã Joana. 


ESSE DOCUMENTO DEFENDE ALGUNS PILARES PARA DESENVOLVIMENTO DA IA, COMO A ÉTICA, EDUCAÇÃO E DIREITOS. ENTÃO A IGREJA VEM SENDO UM DOS ATORES PRINCIPAIS DESSE DEBATE”, COMPLEMENTA O PROFESSOR.


O pesquisador lembra que, ao longo da história da humanidade, a tecnologia sempre esteve presente. “Ela não é inimiga. O que é inimigo são os interesses escusos, os maus usos, sem critérios éticos, o uso para fins que prejudicam e destroem o ser humano. Todos nós usamos e dependemos da tecnologia e o que precisamos é tomar consciência, fazer um discernimento a luz daqueles três pilares e também nos deixar inspirar pela Palavra de Deus e Espírito Santo para que a gente saiba agir dentro dessas realidades.” 


NO DIA A DIA 

Com as novas tecnologias, é possível ter acesso a novas ferramentas de forma mais rápida, sendo possível usá-las no dia a dia e também no meio profissional. Para Carlos Eduardo Fereira, Gestor de Mídias Sociais da Arquidiocese de Maringá, o uso de IA auxilia na eficiência do trabalho. “Utilizo para automatização, construção de rede de ideias, criação de imagens. O que mais tenho retorno é com automatização de processos, porque consigo economizar tempo e focar nas demandas com minha atenção total as quais somente eu posso fazer, sem auxílio da IA.” 

Em março deste ano, o Papa Francisco roubou a cena e viralizou na internet com um casaco mais que estiloso. Mas a imagem não representa a realidade e sim uma criação por uma ferramenta de inteligência artificial. O fato gerou amplo debate e controvérsias, pois muitos acreditaram que Francisco havia usado aquele supercasaco – que não é do perfil dele. 

Diante de todo este contexto, o próprio Papa Francisco escolheu “Inteligências Artificiais e Paz” como o tema para o Dia Mundial da Paz de 2024, celebrado em 1º de janeiro. O argumento do Vaticano é que “o notável progresso feito no campo da inteligência artificial tem um impacto cada vez mais profundo na atividade humana, na vida pessoal e social, na política e na economia”. 

Papa Francisco pede “um diálogo aberto sobre o significado dessas novas tecnologias, dotadas de potencial disruptivo e de efeitos ambivalentes”. O Pontífice ainda lembra a necessidade de se estar vigilante e de se trabalhar para garantir que “uma lógica de violência e de discriminação” não estejam vinculadas ao se produzir e se usar esses dispositivos, em detrimento dos mais frágeis e excluídos. 


USO DA IA NAS PARÓQUIAS

Em 2023, a Paróquia e Santuário Santa Rita de Cássia, em Maringá, passou a usar uma plataforma de atendimento virtual, que já conta com mais de 700 acessos. Segundo o pároco, padre Onildo Luiz Gorla Junior, isso facilitou muito a demanda de resposta dos colaboradores. “As pessoas conseguem acessar a qualquer momento a informação que desejam, agilizando o atendimento. E, quando a dúvida não é respondida ali, elas têm a opção de fazer a pergunta direcionada para um colaborador.”

“INJUSTIÇA E DESIGUALDADES ALIMENTAM CONFLITOS E ANTAGONISMOS. A URGÊNCIA DE ORIENTAR A CONCEPÇÃO E O USO DAS INTELIGÊNCIAS ARTIFICIAIS
DE FORMA RESPONSÁVEL, PARA QUE ESTEJAM A SERVIÇO DA HUMANIDADE E DA PROTEÇÃO DA NOSSA CASA COMUM, EXIGE QUE A REFLEXÃO ÉTICA SEJA ESTENDIDA NO ÂMBITO DA EDUCAÇÃO E DO DIREITO.” COM INFORMAÇÕES DO VATICANNEWS


COLABORADORES DA MATÉRIA SOBRE IA 

Moisés Sbardelotto é professor, jornalista, mestre e doutor em Ciências da Comunicação. Coordenador do Grupo de Reflexão sobre Comunicação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (Grecom/CNBB) e, desde 2008, colaborador do Instituto Humanitas Unisinos (IHU). Escritor, tradutor e consultor em Comunicação para diversos órgãos e instituições civis e religiosos. Tem experiência na área de Comunicação, com ênfase em internet, cultura digital, processos midiáticos e religião. Autor de diversos livros. 

Joana T. Puntel, irmã paulina, é jornalista, mestra em Comunicação e doutora em Ciências da Comunicação. É docente no Curso de Especialização Comunicação, Teologia e Cultura, membro da Associação Brasileira de Pesquisadores em Comunicação – Intercom, membro da Equipe de Reflexão de Comunicação da CNBB (Grecom). Pesquisadora, conferencista na área da cultura, Igreja-comunicação e Pastoral. Tem várias publicações pela Paulinas Editora. 


POR MARCELA MIRANDA EGITO
Artigo da Revista Maringá Missão, Edição de Setembro de 2023